O MENINO QUE TINHA MEDO DE GALINHAS

A minha mãe era daquelas que não dava moleza para filho, a hora de ajudar, era a hora de ajudar! E não tinha conversa fiada! Algumas obrigações eram estabelecidas para mim como: varrer o quintal, tratar das galinhas, molhar as plantas, colocar os caixotes de lixo para fora, estudar e, depois de cumprir todas essas tarefas, poderia ir para os lugares onde a criançada se reunia para brincar – normalmente no maravilhoso campo de esportes que havia nos fundos do Grupo Escolar Matias Neto.
Com o passar do tempo surgiu uma nova obrigação e, com esta outra tarefa, passei a ter mais dificuldades em virtude de um item – ter que carregar as galinhas compradas na feira! Com os meus 11 ou 12 anos fui eleito o novo ajudante de compras na feira livre. Lembro-me que, uma das primeiras que tomei parte como ajudante oficial de compras, era localizada próxima a beira rio, ao lado da CERJ. Levantávamos cedinho, pegávamos um farrancho de bolsas, e partíamos para as compras do dia que, normalmente, era as sextas e sábados de manhã.
Aí, mamãe começava as escolhas – Vamos lá que os ovos de seu fulano são mais bonitos! A mandioca de seu cicrano é maior e mais macia! E eu chamava a atenção dela por falar desta maneira, e ela ria! Ali também nos divertíamos muito! Passávamos pela barraca do Sr. Isaac e ele, com aquelas bochechas avermelhadas e cara de feliz, gritava – Ovo e uva boa! E as viúvas que por ali passavam entendiam – Ô viúva boa! E olhavam com cara de zangadas, mas, acho que algumas até se orgulhavam da observação! Até que chegava o momento mais complicado para mim, a hora de comprar as galinhas! Mamãe sempre escolhia duas das bem pretas, encostavam-nas no meu peito e dizia – Segura! E o medo que eu tinha daquelas merdas de galinhas, atrevidas! Até a minha mão ousavam picar, e como eu suava frio! Aí começava a briga – Segura! - Não seguro! - Segura! - Não seguro! E eu acabava levando um cascudo na cabeça, e tendo que segurar aquelas duas galinhas que mais pareciam estarem sendo levadas para uma macumba. E terminava desfilando com aquelas duas belas companhias mais um tanto de horas. Aí descobri um macete, e quem passou a dar cascudos fui eu, nas galinhas, é claro! E estas por sua vez, entendiam que era melhor para todo mundo ficarem bem quietinhas.
Mas, havia coisas prazerosas também naquele fazer a feira. Ali, minha mãe comprou para mim os meus primeiros pés de orquídeas (um vício que está entranhado em minha alma até hoje). Comíamos sempre algumas bobagens gostosas como salgados e frutas. E passar pela barraca do seu Dengo! Eu tinha um olho comprido em uma coisinha dourada, de olhos azuis, que quase sempre estava lá a ajudar o pai. E ficava muito feliz quando a minha mãe parava para as escolhas.
E depois, a feira foi se mudando para outros lugares, perdi o medo das galinhas, deixamos de ir a pé e passamos a usar a bicicleta e o carro. Chegou a hora de estudar fora e acabei perdendo o meu posto de ajudante oficial de compras, que eu já vinha ocupando por muitos anos. Tornei-me um parceiro e tanto da minha mãe!
E as feiras, com todos os seus participantes e entretenimentos, foram mudando de lugar, ficando espremidas, sendo derrotadas por novas modalidades de venda, quase só ficando nas lembranças de alguns saudosistas e no coração daquele menino que tinha medo de galinhas.
Hoje, quando passo por aquele pedaço de rua, consigo escutar os sons das ofertas, as risadas das pessoas, a gritaria das galinhas quando eram seguradas pelas pernas, e o mais importante deles: SEGURA ESSA GALINHA, MENINO CAGÃO!
Homenageando: Isaac, Dengo, Valdecir, Chico Bitu, Alfredo, Zé das Parasitas, e a tantos outros que ali – com dignidade – nos atendiam em festa e criavam as suas famílias.

Dunga (Luiz Cláudio Bittencourt)



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