A escola do inferno

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As agressões físicas e verbais entre alunos são generalizadas nas escolas públicas e privadas brasileiras, mas os adultos não sabem como reagir à violência, num jogo de empurra-empurra entre pais, gestores e professores. O resultado são estudantes inseguros e, muitas vezes, com dificuldade de aprendizagem.

Essas são as principais conclusões de uma das mais completas investigações sobre o inferno escolar, conhecido em inglês como "bullying", concluída na semana passada. Está aí uma das razões, mais do que as questões salariais, por que a carreira do professor é tão desgastante, gerando seres estressados, física e mentalmente doentes.
Até janeiro deste ano, foram ouvidos 5.168 alunos de escolas das cinco regiões brasileiras. Além da pesquisa quantitativa, criaram-se 14 grupos de discussão para que se aprofundem as respostas ouvindo os pais, os professores e os gestores.

Não há registro no Brasil de levantamento tão abrangente. O trabalho foi realizado pelo Ceats (Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor), ligado à Fundação Instituto de Administração da USP, com o apoio da Plan, uma instituição inglesa de defesa dos direitos da criança e do adolescente. Quanto mais frágil, mais a vítima (um portador de uma deficiência, por exemplo) é atacada, o que se explica por uma combinação de passividade com baixa autoestima e, é claro, com impunidade.

O tamanho estimado do problema, segundo a pesquisa, é impressionante: 70% dos alunos afirmam que viram, pelo menos uma vez, um colega sofrer algum tipo de agressão dentro da escola; 9% viram alunos serem atacados várias vezes numa única semana; 10% garantem que testemunham diariamente esse tipo de cena. O mesmo se pode dizer do tamanho estimado da consequência: 43% dos alunos se sentem angustiados no ambiente escolar; 36% sentem medo com certa frequência; 10% estão sempre com medo. É possível dizer que existe uma espécie de epidemia e, certamente, esse é mais um entre tantos fatores que dificultam a aprendizagem, especialmente nas redes oficiais.

Nas discussões dos grupos, gestores e professores atribuem parte da responsabilidade à família, na qual ocorreria violência doméstica, negligência, falta de apoio emocional, ou seja, a criança já viria inoculada com o vírus da violência e descontaria nos colegas da escola os problemas familiares. Mas eles também reconhecem que não foram treinados para intermediar conflitos e não sabem como lidar com as famílias. Reclamam das salas superlotadas e da falta de espaço para que os alunos expressem suas emoções e problemas pessoais. Muitos pais até admitem a negligência, mas acham que a escola contribui para piorar o problema devido à omissão dos professores e dos gestores, incapazes ou sem vontade de impor limites.

Entre pais e professores, também são comuns os ataques à mídia, cujos programas violentos estimulariam a agressividade dos estudantes.

Todos concordam, porém, em um ponto: esse ambiente atrapalha a aprendizagem e desenvolve distúrbios nas crianças e adolescentes -tanto nos agressores como nas vítimas- e vai mostrando até onde vai a raiz da violência brasileira. Já que os candidatos, em seus discursos de campanha, sempre acenam com a intenção de solucionar os graves problemas da segurança e da educação, a escola do inferno tem de necessariamente estar no topo das suas agendas. Daí que vale a pena prestar atenção a algumas experiências, como a disseminação, em bairros mais pobres e violentos, da figura do professor comunitário (ele faz o elo com a comunidade). Em dez anos, em escolas na zona leste de São Paulo, vem sendo testado -e com sucesso- o coordenador de pais, treinado para aproximar as famílias.

PS - A pesquisa fez uma interessante descoberta sobre as agressões digitais: pelo menos 17% dos alunos se dizem vítimas frequentes dos ataques pela internet. A consequência seria a mesma dos ataques presenciais: perda de concentração, dificuldade de aprendizagem e medo de ir à escola. Coloquei um resumo do trabalho em meu site (www.dimenstein.com.br).

(Envolverde/Aprendiz)