Catolicismo: o novo comunismo?

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Semana passada, como mais um mega-magnata devastou as Filipinas, os líderes de 183 governos capitalistas encontraram-se  em Lima, Peru para enfrentar a ameaça iminente da catástrofe climática na Conferência das Nações Unidas chamada COP20. Desde o fiasco da Cúpula de Helsinki, ficou óbvio que os EUA e outro governos, todos eles dominados por mega-bancos e corporações de energia, estão simplesmente com pouca vontade de assumir os reais compromissos de redução da emissão de carbonos. Este ano em Lima, com a raça humana caminhando ainda mais aceleradamente para sua extinção, as Nações Unidas escolhe convidar a Shell e outras grandes corporações da energia para participar desta Conferência, enquanto mantém, a quilômetros de distancia,  aqueles que protestam (povos indígenas, refugiados climáticos, camponeses, ativistas da justiça climática) sob guarda militar nos EUA.

Bispos: Fim dos Combustíveis Fósseis Já
A única voz dentro da Conferência que ousa clamar pelo fim do uso dos combustíveis fósseis foi a dos Bispos Católicos de todos os continentes. Os bispos também demandaram as nações que mantivessem a subida das temperaturas globais abaixo de 1.5 graus centígrados. Mais ainda, eles explicitamente apontaram o capitalismo com as causa básica da iminente catástrofe global e apelaram para uma nova ordem econômica:
A maior responsabilidade por essa situação, é do sistema global econômico dominante, que é uma criação humana. Olhando objetivamente para is efeitos destrutivos de uma ordem econômica e financeira baseada na primazia do mercado e do lucro, falhando em colocar o ser humano e o bem comum no centro da economia, devemos reconhecer o fracasso sistêmico dessa ordem e a necessidade de uma nova ordem econômica e financeira.
Em outras palavras: “Mudança de Sistema, Não Mudança de Clima!” O que mais podemos pedir? Esse slogan passa a ser o nome da minúscula coalizão de extrema-esquerda, eco-socialista da qual eu sou ativista. A única diferença é que a Igreja Católica tem 1.2 milhões de membros.
Infelizmente, a extraordinária declaração dos Bispos não foi veiculada em nenhuma das grandes mídias que eu acessei. E até Amy Goodman, que transmite o seu progressivo “Relatório de Guerra e Paz” ao vivo desde Lima toda a monótona semana, falhou em falar disso. Contudo, não é realmente uma surpresa neste contexto de rápidas mudanças nas atitudes católicas em menos de dois anos desde a ascensão ao trono de São Pedro em 28 Fevereiro de 2013 do Papa Francisco, “dos quais mais de um momento”.
“Enquanto isso vem em primeiro para alguns fabricantes” escreve Jeff Spross do “Progresso Climático”, a declaração dos Bispos dá continuidade a uma longa tradição das questões ambientais e do câmbio climático da Igreja católica”. Papa Francisco, fez da questão religiosa um caso de combate ao câmbio climático, advertindo: “Se destruirmos a Criação, a Criação irá nos destruir!”. Francisco destaca a destruição das florestas como um “pecado”, e está trabalhando na encíclica papal oficial abordando a relação entre o meio ambiente e a humanidade.

Catolicismo e Comunismo
Essas radicais posições católicas anticapitalistas, me fazem pensar: É o catolicismo um novo comunismo? Roma a nova Moscou? A Igreja o novo Comintern? Que paradoxo! Crescido como um bebê de fraldas vermelhas durante a Guerra Fria, Catolicismo era para mim sinônimo de militância anti-comunista (sem mencionar a virgindade militante). O poderoso cardeal de Nova York, Spellman, era um virulento McCarthista, e o martírio do cardeal Mindszenty na Hungria (perseguido primeiro por ambos fascista e depois pelos regimes comunistas) fez as pessoas esquecerem a cumplicidade do Papa Pio XII com os nazistas, com base no ódio comum ao Comunismo.
Então, em 1958, as coisas mudaram radicalmente com a eleição do Papa João XXII. O Conselho do vaticano proclamou a doutrina Cristã de “preferencial opção pelos pobres”. A Teologia da Libertação, que afirmou o direito de resistir à opressão, se espalhou por toda Latino América. Eu tive o privilégio de se testemunha sua ação na Nicarágua em 1984 durante a Contra-Guerra patrocinada pelos EUA.
De fato, meus anos de ativismo no Movimento de Solidariedade a América Latina me convenceu de  que os católicos da Teologia da Libertação era, consistentemente mais revolucionários do que os esquerdistas de todas os matizes. Mas, infelizmente nos anos 80, meus camaradas entre os padres ativistas eram afastados e perseguidos pela nova dispensa no Vaticano após a eleição do papa polonês fervorosamente anticomunista em 1978.

Reação e Desonra
João Paulo II colocou a igreja firmemente de volta ao lado dos privilegiados. A então eleição de 2005 do ex-juventude hitleriana, Josef Ratzinger, como Papa Benedito XVI colocou a Igreja num curso ainda mais reacionário, retrocedendo com relação as mulheres e os direitos reprodutivos, ofendendo os islâmicos, tentando esconder os grandes escândalos dos padres pedófilos e as nas finanças do Vaticano, e estabelecendo uma inquisição sobre as freiras progressistas dos EUA, acusadas de feminismo e intromissão em questões sociais. Tão severa foi a desonra na reputação da Igreja, que que Benedito tomou uma atitude sem precedente de renunciar mais ou menos em desonra em fevereiro de 2013, mas naquele momento, até mesmo os mais leais Católicos relaxaram sua rígida, auto-protetora e aparentemente imovível hierarquia da Igreja. 'Novo Papa? Eu desisti da Esperança”, foi a manchete de Gary Wills no New York Times. Na minha própria análise ('Papa Desiste: E dai que?'), contrastei a história dos movimentos populares inspirados pelo conteúdo social radical da Cristandade e o vasto potencial da igreja para o bem com a aparente mão da morte sobre a geriátrica hierarquia reacionária na instituição. Mas minha conclusão teve um pé no desespero.

Um milagre?
Eu não ousei sonhar que apenas 20 meses depois, o sucessor de Benedito, Papa Francisco, chamasse um Encontro Mundial de Movimentos Populares e convidasse ao Vaticano organizações de marginalizados e excluídos de todas as etnias e religiões – camponeses sem-terra, trabalhadores urbanos do setor informal, recicladores, povos nativos em luta, mulheres que lutam por seus direitos, etc (out 2014). Lá, na presença do radical presidente da Bolívia Evo Morales, Francisco declarou que “solidariedade com os pobres é o mais fundamental nos Evangelhos” e que “Reforma Agrária não é somente uma necessidade política, mas também moral”. Isso soa como palavras de um líder popular, falando para sua base.
“Foi o envolvimento direto do Papa Francisco que conduziu o evento”, de acordo com a delegada canadense Judith Marshal no Links International Journal of Socialist Renewal. Seu AMZING relatório, definitivamente vale a pena ser lido inteiro. “A medida que o recém-instalado líder de uma grande instituição do establishment global, Papa Francisco tem indiscutivelmente feito do Papado a mais radical e consistente voz em apontar a profanidade da desigualdade e exclusão. Ele também repetidamente mencionou o poder desordenado das corporações multinacionais e do capital financeiro como fatores-chave na reprodução global da pobreza e da destruição do planeta […] O encontro foi construído na força de conexões de longa data com estes lideres-chave dos movimentos populares na Argentina”

Quem é Papa Francisco?
Jorge Mario Bergoglio nasceu em Buenos Aires, em 1936. Depois de trabalhar brevemente como técnico  químico e de NIGHT CLUB BOUNCER, ele entrou para a progressista ordem Jesuíta, tornando-se padre durante o apogeu da Teologia da Liberação e se envolveu em movimentos sociais.
Como bispo, Bergoglio desenvolveu um incessante mas discreto apoio aos trabalhadores e suas organizações. As anedotas são inúmeras: solidariedade com os militantes perseguidos, apoio às organizações de camponeses, proteção aos mascates, promoção dos “padres das favelas”, acompanhando os trabalhadores das fábricas que tinham reaberto fábricas fechadas e uma franca atitude de luta contra a exploração e exclusão, tráfico de pessoas, tráfico de drogas e  contra a cultura do consumidor. Tudo isso, somado à sua legendária austeridade e estilo de vida simples, à sua constante interpolação contra o estilo de vida de autossatisfação da pequena burguesia, contra o hedonismo consumista pós-moderno e o “progressivismo elitista”, fez dele uma figura desconfortável, não somente para a direita reacionária mas também para os liberais de centro (7). Francisco é o primeiro papa jesuíta, o primeiro das Américas, o primeiro do Hemisfério Sul e o primeiro papa não-europeu em 1.000 anos. Esses “primeiros” significa uma grande câmbio no equilíbrio de poder dentro do vasto internacionale do pobre global. A Igreja (“Universal”) Católica é o único partido-mundo organizado existente. Sua vasta riqueza e influência estão agora nas mãos de Francisco. Imagine, por exemplo, que esse jesuíta permaneça verdadeiro á missão de sua Ordem e devote alguns dos bilhões SALTED AWAY no vaticano para promover a educação católica em escala global, ensinando bilhões de crianças a ler, escrever e pensar por elas mesmas numa organização mundial que afirme o direito a resistir à opressão. Se a Igreja verdadeiramente manter e afirmar a “Mudança de Sistema, não Mudança de Clima”, isso em si mesmo, jé seria um desenvolvimento revolucionário, e nós estamos vendo somente o começo.

Como esse milagre aconteceu?
Como este tão abertamente radical padre conseguiu ser eleito? A autoridade absoluta de Francisco no ápice da hierarquia é uma grande derrota para os velhos corretores do poder que preferem ver a Igreja viva a murchar na videira do que se comprometer, como testemunhas dando voltas em torno do vagão durante os escândalos de pedofilia dos padres, a sua ADAMANT recusa em permitir os padrem se case, ou em dar as mulheres um papel sacerdotal de algum tipo para manter as paróquias vivas, e sua falta de vontade de financiar a educação católica – que uma vez foi o monopólio e orgulho da Igreja e sua maior fonte de sua influência ideológica. A hierarquia católica (como a militar, o mundo das finanças e a nomenclatura comunista) tem por ha muito tempo funcionado como uma corporação fechada, um Estado dentro do Estado, impenetrável, opaco, uma lei para si mesma, protegida por seus laços íntimos com outras hierarquias corruptas na política, militares, bancos, na aplicação da lei e a máfia.
A burocracia do Vaticano assenta-se sobre um pote de ouro tão rico quanto à riqueza de muitas nações, e só podemos imaginar o silêncio das disputas acontecendo nesse exato momento detrás das portas fechadas da Cúria pelo controle dessa riqueza, na medida em que Francisco e seus aliados conduzem seus expurgos desse aparato. E esses desdobramentos deve levar um tempo.
Excluindo a Intervenção Divina, o que fez essa revolução dentro da Igreja possível? A resposta mais óbvia é que a Igreja chegou num beco sem saída. Os fieis indo embora em massa, o sacerdócio estava morrendo com muito poucos novos recrutas, especialmente entre os ‘europeus’. E os leigos estavam in desespero, Outra razão é o câmbio demográfico  entre os praticantes católicos. Tem também a sólida organização e disciplina da Ordem Internacional de Jesus, cujas tentativas de tomar o controle da Igreja e a influência na América Latina, data de séculos. (Não é à toa que os membros da Internacional Comunistas chamam a si mesmos de ‘jesuítas vermelhos’)

Atravessando as paredes da Paróquia
A estas explicações materiais eu gostaria de adicionar outra, menos óbvia: a internet e a mídia social. Enquanto ao longo dos séculos a hierarquia teve o monopólio da comunicação, tudo isso de cima para baixo. Hoje leigos católicos, não estão mais isoladas, sem voz e passivas perante a imensa riqueza e influência da hierarquia. Tal qual o tipo movível de Guttenberg ajudou a catalisar a Reforma Protestante no século XVI fazendo a bíblia acessível aos leigos, também a internet no século XXI tenha talvez catalisado uma resignação sem precedente do ultraconservador Papa Benedito XVI e o aparente novo curso da Igreja sob Francisco. Como aponta Clay Shirky, o guru da internet, “as ferramentas sociais não criam ação coletiva, simplesmente removem os obstáculos a ela” [8]. Shirky cita o exemplo da campanha entre católicos leigos para exigir um fim aos abusos sexuais das crianças pelos padres. Começou nos anos 90 quando as vítimas se mostraram e os escândalos vieram à tona através de jornais tais como Th Boston Globe, mas a hierarquia da Igreja, liderada pelo Cardeal Law (ele mesmo culpado de proteger os padres pedófilos, circulando eles, trocando eles de paróquias, novas e insuspeitas paróquias), foi capaz de sufocar a mobilização das vítimas.
Os instigadores foram denunciados através da imprensa e do púlpito e banidos da mordomias da Igreja, enquanto grupos leigos foram proibidos de se organizarem fora de suas paróquias locais. Entretanto 10 anos mais tarde, Cardeal Law foi forçado a renunciar em desonra depois que as ferramentas da internet possibilitaram que as vítimas juntassem seus testemunhos e postassem on line, espalhassem informações e se organizassem nacional e internacionalmente. Enquanto isso, a revolta contra a proteção dos padres pedófilos causou os leigos a questionarem abertamente os dogmas reacionários tais como a recusa comunhão de se divorciar, católicos LGBT e a manutenção do celibato dos padres.
A internet não causou esse momento de mudança potencial, mas a media social e seu alcance mundial possibilitou a latente revolta dos leigos católicos a vencerem as barreiras institucionais que permitiam a hierarquia a isolar e dominar as filas das mobilizações  por uma reforma e renovação. O que está em jogo na atual revolução dentro do catolicismo romano é a interseção entre as formas de organizações horizontais e verticais. E se a rede de internet horizontal deu aos católicos leigos a chance de se juntarem e se expressarem, a tomada da poderosa e vertical estrutura do partido-mundo católico por forças progressivas abre enormes possibilidades para a liberação humana e talvez a chance de evitar a catástrofe climática do planeta.

Freiras exoneradas
Permita-nos terminar esta estória esperançosa com uma notícia, veiculada hoje, sobre uma outra vitória para as filas dos católicos progressistas: um informe do Vaticano revertendo a cruel tentativa de sufocar as socialmente engajada e auto-governadas Ordem das freiras estadunidenses, acusadas de pregar “feminismo” e advogar “justiça social”. Católicos por todo o país estavam chocados e raivosos com a ação do Vaticano de ameaçar mulheres que tem sido o BACKBONE de sua igreja por séculos. Milhares de fiéis católicos fizeram  mais de 50 vigílias pelo país e mais de 57.000 pessoas assinaram uma petição organizada pelo Num Justice Project em apoio às freiras.  Com essas ações, católicos deixaram claro que eles estavam solidários com essas irmãs e seus bom trabalho entre os pobres e marginalizados. [9]. Hoje elas foram exoneradas. O  informe conclui citando o chamado do Papa Francisco “a criar ainda mais amplas oportunidades para uma maior incisiva presença feminina na igreja”. [10]. Enquanto isso, também transpareceu que o Papa Francisco BROKERED o acordo entre Obama e Raul Castro para reatar relações diplomáticas após meio século de sanções contra Cuba, a tempo condenada pelo resto da América Latina. Também, foi o aniversário do Santo Pai. Mazeltov, Francisco!
Melhores votos a todos, Richard
18 de dezembro, 2014

[1]  I exaggerate. The world leaders formally agreed that each country will prepare its own voluntary goals in preparation for next years Paris Climate Summit. The Lima conference was thus not a ‘failure’, but a success (for the corporate agenda).
[2]
http://www.bbc.com/news/science-environment-30408022  “Global group of Catholic bishops call for end to fossil fuels,” by Matt McGrath Environment correspondent, BBC News, Lima.
[3] http://thinkprogress.org/climate/2014/12/11/3602596/bishops-end-fossil-fuels/
[4] For example they supported the distribution of lands abandoned by émigré landowners, while the Sandinistas refused to give legal titles to poor peasant occupiers, thus undermining their own popularity during the Contra war.
[5] https://richardgreeman.wordpress.com/wp-admin/post.php?post=228&action=edit&message=6&postpost=v2
[6] http://links.org.au/node/4172 “Challenging the globalization of indifference: Pope Francis meets with popular movements” by Judith Marshall, November 21, 2014.
[7] According to Juan GRABOIS, activist in the Movement of Excluded Workers and as one of the national coordinators of the Confederation of Popular Economy Workers in Argentina, quoted by Marshall, above.
[8] Clay Shirky, Here Comes Everybody: The Power of Organizing without Organizations  (2008)
[9] http://www.nytimes.com/roomfordebate/2012/06/12/will-the-vaticans-crackdown-on-nuns-work/the-vaticans-fear-tactics-will-not-work
[10] Vatican Report Cites Achievements and Challenges of U.S. Nuns