Gisele Muniz fala das suas referências na cidade e das que a prefeitura pretende deixar para Macaé

Vice presidente de Acervo e Patrimônio Histórico ressalta que maior patrimônio da cidade é sua diversidade

Foto: Tadeu Mouzer (photo: )
Foto: Tadeu Mouzer

“Eu sonho, eu dialogo, eu divido, eu concretizo”. A frase, uma das máximas do poeta e escritor português, Fernando Pessoa, bem poderia sintetizar todo o trabalho que a professora Gisele Muniz faz à frente da Vice Presidência de Acervo e Patrimônio Histórico de Macaé.
Uma mulher inteligente e que é muito ligada à sua cidade, Gisele nos recebeu em uma sala do Solar dos Mellos para contar uma pouco da história de Macaé, suas referências e seu trabalho na Vice Presidência de Acervo e Patrimônio, justamente no mês em que a cidade completa 202 anos de sua elevação a município, fato que ocorreu ainda nos tempos do Brasil Colônia.
A mesa, cheia de livros e com um laptop, demonstrava bem o que é gerir uma história que ainda está em sua maioria escrita à mão, nos milhares de relatos e documentos que estão à disposição de todos os interessados no Solar e na Fundação Macaé de Cultura.
Hoje esse tesouro histórico inclui toda a documentação do cartório do 1º e do 2º ofício de notas do século XIX, toda documentação eclesiástica junto às igrejas, e até processos criminais.
“A gente tem um trabalho chamado Macaé em Fonte Primária, que tem como missão reconhecer e catalogar a documentação, seja ela eclesiástica, cartorial, ou até as histórias de crimes dos cartórios”, explica Gisele, que lamenta a falta de durabilidade dos CDs, que estragaram seis anos de trabalho de digitalização, e que agora terá que ser refeito, mas, como ela garante, “os documentos estão todos higienizados” e intactos.
Todavia não é essa riqueza histórica que a professora de História e pesquisadora, nascida e criada em Macaé, e que passou boa parte da juventude na beira dos muros de Imbetiba, acredita como sendo maior patrimônio da cidade. Para ela, esse posto cabe ao seu povo e sua diversidade. E Gisele faz coro com o escritor e cientista político americano Marshall Berman, falecido em 2013, ao apontar para a ocupação do espaço público como solução para proteger esse patrimônio histórico de Macaé que é seu próprio povo e suas referências.

Foto: Tadeu Mouzer
Foto: Tadeu Mouzer

DIÁRIO DA COSTA DO SOL: Como está a Vice Presidência de Acervo e Patrimônio Histórico hoje, depois da Reforma Administrativa?
GISELE MUNIZ: A gente pertence à Fundação Macaé de Cultura. A nossa missão enquanto Vice Presidência de Acervo e Patrimônio Histórico tem uma relação específica com a preservação, o cuidado, o zelo, mas também com a democratização. Democratizar o conhecimento, a memória, a história, o cuidado com o patrimônio, o zelo ao patrimônio. Essa é a nossa missão. Eu estou aqui no Solar dos Mellos há 10 anos. A maioria da equipe está há esse tempo todo aqui. A gente não aposta muito no critério de ruptura não. Nossa preocupação é voltada para o campo da educação patrimonial. Eu venho do viés da educação, minha formação é História, trabalho com pesquisa, a minha especialização está na área de ocupação do espaço público. E pelo meu entender, é possível ocupar a cidade via cultura, via memória, via identidade. Esse é um diferencial que a cidade tem, é sua maior grandeza. A beleza dela está nessa diversidade. Nesse monte de gente que chega, que sai, que é, e que se transforma. É nesse viés que a gente está tentando fazer do Solar dos Mellos um espaço de referência dentro da Vice Presidência de Acervo e Patrimônio.
DIÁRIO CS: Como é que o Solar se torna esse espaço, essa referência?
GISELE MUNIZ: Se ela é uma casa bonita, uma casa do final do século XIX, uma casa bem cuidada, a gente pretende que ela seja muito mais que isso. Não só um patrimônio arquitetônico, mas um patrimônio arquitetônico vivo, que faça com que a gente desfrute dele. Acho que durante algum tempo ele foi apenas uma caixa bonita, que a gente achava que não podia entrar. Pode entrar? Pode! O Solar dos Mellos abre de segunda a sábado e no último domingo do mês tem um projeto que a gente chama de Lugares de Memória. Aí a gente vê o termômetro da diferença e da grandeza da cidade. Aí você leva um susto e vê da onde vem tanta gente.
DIÁRIO CS: Como está hoje o trabalho da Vice Presidência de Acervo de Patrimônio?
GISELE MUNIZ: A gente vem de um trabalho aqui, já fundamentado na gestão anterior. Um trabalho bem bacana que a gente referenda e tem apreço. E dando continuidade e algumas colaborações. O que a gente intensificou foi esse projeto da educação patrimonial. Esse valor que a gente precisa dar ao espaço ao qual a gente está inserido. Valor no sentido de ressignificar mesmo. Então, a partir do momento em que você tem conhecimento e dá um novo significado, esse espaço acaba tendo mais sentido para você. O caminho foi via criançada. A gente acredita que o grande caminho é a educação.
DIÁRIO CS: Então existe uma parceria entre vocês e a Secretaria de Educação?
GISELE MUNIZ: Sim, sim. A gente acredita que o vetor é a educação.
DIÁRIO CS: Como funciona essa parceria?
GISELE MUNIZ: Funciona com agendamento. A gente tem o projeto Visitação no Museu Escola, que a gente chama de uma ‘exposição visita guiada’. A gente tem espaço para atender de 30 a 40 pessoas no auditório. Esse projeto começa no quintal do Solar dos Mellos, e a gente tem o Bruno como coordenador, o Bruno Azevedo, e ele faz esse trabalho de dar conhecimento e possibilitar que essa criança se insira dentro de um contexto histórico e cultural do município. Então é muito bonito quando a gente chega aqui aos domingos e reconhece aquele rostinho e ele trouxe o pai, a mãe ou o avô.
DIÁRIO CS: Para a gente explicar para quem ainda não sabe, como é que a escola faz para participar? E quais os dias de visitação das escolas?
GISELE MUNIZ: Ela liga e faz um agendamento; você pode ligar para o Solar sempre. O telefone é 2759-5049. Funciona às terças, quartas e quintas.
DIÁRIO CS: E esse trabalho dos Lugares de Memória? É todo último domingo do mês?
GISELE MUNIZ: Isso. Esse trabalho está dando muito certo. Talvez seja um dos momentos em que a gente mais percebe a diversidade da cidade hoje. É um domingo de família. Você percebe o quanto têm família vivendo na cidade, mas o quanto tem pessoas mais solitárias. Você encontra a cidade e sua diversidade, e o desejo que ela tem de se conhecer mesmo.
DIÁRIO CS: Você é daqui de Macaé mesmo?
GISELE MUNIZ: Eu sou daqui. Nascida e criada em Macaé. Mas fui casar com um carioca, um camarada que é apaixonado pelo Rio de Janeiro, e confesso a você que a gente, nos primeiros anos de infância das crianças, ia visitar o Palácio do Catete, o Parque Lage, o Jardim Botânico, eram os passeios dos meus filhos. A gente não tinha esse hábito aqui.
DIÁRIO CS: Essa foi a minha infância também. Parque Lage, Palácio, Jardim Botânico, praça...
GISELE MUNIZ: A Praça Veríssimo de Melo nos proporcionou, a essa geração da década de 70, essa coisa de parar para olhar aquelas árvores, o obelisco, e aí quando a gente entrou no Solar dos Mellos, eu falei que esse quintal não tem que ter carro. E a gente inventou esse projeto chamado Cultura de Quintal. É um momento de você vir ao sábado para o Solar, ler um livro, ler um jornal, esperar o comércio abrir, trazer o velotrol do seu filho. E aí é bonito que a gente atende aquela nossa missão, de ser um ponto de referência para o turista, um ponto de referência para o cidadão, que vem aqui buscar alguma coisa que está acontecendo na cidade.
DIÁRIO CS: Eu já conversei com algumas pessoas da prefeitura e acho curioso que todos vocês têm essa coisa da referência. É um sentimento de necessidade ou é uma ideologia política?
GISELE MUNIZ: É uma herança. Você pegou super bem.
DIÁRIO CS: Eu percebo isso. Eu trabalhei em Rio das Ostras durante um bom tempo, numa loja chamada Artmanha. Não sei se você conhece.
GISELE MUNIZ: A Artmanha é o Manoel!
DIÁRIO CS: Isso! Dava para ver isso nele, a família dele viveu aqui. Ele está em Rio das Ostras há muitos anos, tem uma ligação forte com a cidade. Só que o jeito com que ele fala de Macaé é muito diferente. Fez-me lembrar o seu jeito de falar daqui. Quando eu ouço o Vandré falando de trazer essas referências, você, a Rizete, esses macaenses, não parece mais um discurso político porque é algo comum que vocês têm com a cidade. Passa por isso?
GISELE MUNIZ: Eu acho que o próprio Aluízio se esforça muito para isso. Eu acho que a cidade precisa ter um espaço de coletividade. A gente precisa ter uma história em comum, um ponto comum para a gente começar junto. A gente está vivendo um momento muito sério da nossa história, da nossa política, da nossa economia. A gente anda muito individual. Daí eu acreditar que a cidade precisa produzir espaços mais comuns. A cidade tem que produzir isso. Por nós. Eu tenho um filho de 18 anos e ele fala muito de uns lugares que eu não frequento, mas que a geração dele está frequentando e está ocupando espaço. Debaixo de ponte tem rap. É espaço. É música. Eu digo, vai com cuidado. Mas vai! A minha geração ficava na beira da muralha de Imbetiba, uma friagem danada nas costas. E minha mãe dizia, põe casaco! Tem que produzir. Tem que ocupar. Eu acho que é por aí. E isso é bom demais. A gente foi muito machucado por essa busca por uma economia de extração. Acho que o país todo está mudando, a gente vai ter que aprender a ser mais criativo e os espaços públicos vão favorecer isso, da gente se encontrar coletivamente nesses espaços, não em Shopping. É isso que a gente está tentando.
DIÁRIO CS: Para fechar, quais são, hoje, os patrimônios históricos de Macaé?
GISELE MUNIZ: Patrimônio para nós é humano e material. E para nós, o patrimônio humano é essa gente que chega, que parte, que vive. Essa gente que tem história e memória, e que precisa ser cuidada, ter uma qualidade de vida. Mas você também precisa cuidar dos monumentos, dos patrimônios, dos documentos, isso tudo é nossa missão. Quando a gente passou na Veríssimo de Melo e o Aluízio falou, olha, as praças precisam ser mais referendadas. A gente pensou, a praça é um coração que precisa ter saúde na cidade. Confesso que meu pai sempre falava do chafariz e do obelisco. Foram dois elementos que a gente logo higienizou. E aquilo foi uma vontade da minha geração, da geração do meu pai e da geração que o pai levou para a praça. Porque era um ponto de encontro entre gerações. Dos meus avós, meus pais, nossos.

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