Pouca ação na Cúpula sobre o Ártico

A cúpula de um dia realizada na cidade de Anchorage, nos Estados Unidos, não adotou os compromissos necessários para combater os efeitos negativos do aquecimento global no Ártico. Foto: Leehi Yona/IPS
Foto: Leehi Yona/IPS

Encontro realizado na cidade de Anchorage, nos Estados Unidos, não adotou os compromissos necessários para combater os efeitos negativos do aquecimento global no Ártico.

Anchorage, Estados Unidos, 3/9/2015 – Após a cúpula de um dia nesta cidade do extremo ocidente da América, governantes de vários países do planeta reconheceram que a mudança climática está alterando gravemente o ecossistema do Ártico. Porém, a conferência Liderança Mundial no Ártico: Cooperação, Inovação, Compromisso e Adaptação (Glacier, em inglês), realizada no dia 31 de agosto, terminou sem que seus participantes se comprometessem em assumir medidas sérias para combater os efeitos negativos do aquecimento global.

No discurso de encerramento da conferência, o presidente anfitrião, Barack Obama, afirmou em várias ocasiões: “não estamos fazendo o suficiente”. O presidente norte-americano alertou que, se a atividade industrial seguir inalterada, prosseguirão os degelos, os incêndios florestais e os ciclos viciosos perigosos. “Vamos condenar nossos filhos a um planeta que estará além de sua capacidade de repará-lo. (…) Todo líder disposto a apostar em um futuro como este não é apto para liderar”, afirmou Obama.

A cúpula foi organizada pelo Departamento de Estado norte-americano e contou com a presença de dignatários de 20 países, entre eles oito do Ártico: Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Finlândia, Islândia, Noruega, Rússia e Suécia. Líderes políticos como Obama, que haviam exortado os participantes a tomarem medidas mais audazes ao final do encontro, usaram palavras fortes durante a conferência, mas ativistas da sociedade civil e grupos de cientistas asseguraram que faltaram passos concretos.

A cúpula de Anchorage atraiu a atenção de grupos ecológicos e indígenas que criticaram a boa reputação obtida por Obama como líder climático, por ter permitido a perfuração petroleira de alto mar no Ártico. Inúmeros protestos e atos de desobediência civil não violenta nos últimos meses tentaram impedir as atividades de extração da transnacional anglo-holandês do petróleo Shell em frente às costas do Alasca.

“A recente aprovação dos planos de extração pela companhia Shell no Ártico é um excelente exemplo da disparidade que existe entre o poderoso discurso do presidente Obama sobre o aumento das medidas diante da mudança climática e as políticas de extração de combustíveis fósseis de seu governo”, afirmou David Turnbull, da organização Oil Change International.

Todos os países participantes assinaram uma declaração conjunta sobre a mudança climática e seu impacto no Ártico, depois da reticência inicial de Canadá e Rússia, que finalmente acabaram assinando. “Levamos a sério as advertências dos cientistas: as temperaturas no Ártico estão subindo mais do que o dobro da média mundial”, diz a declaração, que descreve a diversidade de impactos que sofrem a paisagem, a cultura e o bem-estar das comunidades da região.

“Na medida em que a mudança climática continua em ritmo sem precedentes no Ártico – elevando o estresse nas comunidades e nos ecossistemas, de entornos por si só árduos –, estamos mais comprometidos do que nunca com a proteção tanto das zonas terrestres como marinhas dessa região única, e o planeta que compartilhamos, para as próximas gerações”, afirma a declaração.

Entretanto, os compromissos concretos estiveram ausentes da declaração, inclusive em temas cruciais, como a prospecção de combustíveis fósseis no Ártico. “Aprecio o discurso e a profundidade do reconhecimento da crise climática. Mas essa declaração infelizmente não reconhece totalmente uma das graves ameaças para o Ártico e o planeta: a extração e queima de combustíveis fósseis”, destacou Ellie Johnston, da organização ecológica Climate Interactive.

“Isso é particularmente relevante, já que as nações e empresas competem pelo acesso à extração em nossos mares árticos, historicamente congelados, que agora ficam mais acessíveis devido ao aquecimento”, apontou Johnston à IPS. “A extração de combustíveis fósseis conduz a um maior aquecimento, o que leva a mais perfurações. Trata-se de um círculo vicioso que podemos parar”, acrescentou a ativista.

Os governos incentivaram as companhias de petróleo e gás, mas sem obrigação alguma, a adotarem políticas mais rígidas e aderirem à Aliança de Petróleo e Gás Metano da Coalizão pelo Clima e o Ar Limpo, uma iniciativa que ajuda as empresas a reduzirem suas emissões de metano e outros contaminantes do clima de vida curta.

O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, dirigiu-se aos participantes – membros das comunidades indígenas, representantes governamentais, cientistas e organizações não governamentais – na abertura da cúpula. “O Ártico é em muitos sentidos um termostato. Já vemos que tem um profundo impacto no resto do planeta”, afirmou.

Kerry também exortou os governos a “tentarem chegar a um acordo sobre o clima que seja verdadeiramente ambicioso e mundial” na 21ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que acontecerá de 30 de novembro a 11 de dezembro, em Paris.

“Paris não é o fim do caminho. Nossa esperança é que todo o mundo possa sair dessa conferência hoje com maior senso de urgência e melhor entendimento do que é nossa responsabilidade coletiva para fazer todo o possível e enfrentar os impactos nocivos da mudança climática”, ressaltou Kerry.

Mas além da intensidade de suas palavras, nem Obama nem Kerry reconheceram, como apontaram diversos ecologistas, que o compromisso dos Estados Unidos para reduzir suas emissões de gases-estufa não chega à metade do que deve fazer o país para se manter dentro do objetivo de aquecimento máximo de dois graus centígrados.

Embora os participantes insistissem na participação das comunidades afetadas, na própria cúpula, menos de um terço dos panelistas e oradores era indígena ou mulher, e só havia uma mulher afro-americana presente. Envolverde/IPS

Leehi Yona é jornalista e pesquisadora de ciência e políticas climatológicas do Ártico, no Dartmouht College.

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