O BEIJO

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Guardo teu beijo, terno beijo, na memória.
No outono cinza, a despedida, último adeus,
como se foras sem deixar-me uma esperança
de reviver o teu carinho e os lábios teus!

Amargurando o teu partir, restou-me o beijo.
Sonho desfeito, nem as folhas esqueceram,
no farfalhar, de relembrá-lo nas canções,
brincando algures junto às brisas outonais!

As estações se sucederam desde então!
Alma constrita, olhar perdido no horizonte,
dei-me ao letargo dos impulsos lascivosos!

Trago a utopia de uma espera que me aturde!
Cedo o destino e a vida; ao tempo, entrego a morte,
mas na esperança de beijar-te uma outra vez!

 



INSPIRAÇÃO


Mas eis que a inspiração que se ausentara
agora se aprochega à noite fria,
confortando minha alma tão vazia,
nutrindo o sentimento que não sara.

Recebo-a na cadência dos encantos,
tecendo as ilusões do amor ansiado.
Do meu desejo, emerge augusto fado;
do verso, brotam luzes, brotam cantos.

A inspiração colheu-me, desta feita,
centuplicando temas esquecidos
num passado de sonhos fenecidos!

No tremor da emoção que me sujeita,
escrevo este poema à musa eleita,
mas só, sob amargor imerecido!

 



SINFÔNICA DA FOME

Na procissão desesperada dos aflitos,
escorraçados pelo açoite das promessas,
segue a lamúria, segue a dor e segue o pranto,
na reza atônita que abisma as emoções.

Quais trapos vivos que outros trapos repudiam,
olhos profundos pela insônia repetida,
vão-se no atroz revezamento da vigília,
buscando ao longe a luz de novas esperanças.

Nessa ginástica de olímpica cruzada,
aproximando-se aos funéreos vendavais,
caminha o séqüito faminto e pessimista.

Na sorumbática e espantosa osteografia,
vai-se o epidérmico chocalho de ossos vivos,
na monolítica sinfônica da fome!



PROVAÇÃO

Instala-se um silêncio de mistério
no coração tomado de aflições.
As multifacetadas emoções
encontraram repouso em monastério.

Antes assim: razão, tino e torpor
sirvam de manto augusto ao meu critério,
revelando ao desejo a luz do império
de uma força maior que o próprio amor.

Se no amanhã da espera tão renhida
eu colha os louros desta intensa lida,
festejarei as dádivas com vinho!

Mas, se em lugar do prêmio e da guarida,
eu receber as dores sobre o ninho,
aceitarei sofrer sob os espinhos!



ANTES QUE SEJA TARDE

Não quero sucumbir com minhas ânsias,
andrajo dos sentidos, forasteiro
à espera de um amanhã que nunca chega,
mergulhado em quimeras e esperanças!

Levem-me daqui, já! Levem-me logo,
enquanto ainda não sinta a escuridade
das noites frias, noites de relento,
destruindo a carne nua ao desabrigo!

Há limo nos escombros da minha alma.
Vê-se, pois, como antigo é o sofrimento
que devassa de ponto a ponto o ser!

Desejo, pois, o rito da passagem,
antes que assista a fúnebre empreitada,
aniquilando os últimos dos sonhos!



DEGREDO

Embriagar-me-ei com teus anseios, teus segredos,
serei amor intenso, ardor e tudo o mais,
durante o tempo de vigência do degredo
que, com certeza, na tua alma abrigarás!

Quando ao meu lado, na lascívia e no aconchego,
tu sentirás calor, amor... sentidos tais,
que um pensamento, então, se faz segredo:
“Esse degredo para sempre manterás!”

E a descobrir-te por inteiro muito cedo,
à luta intensa me darei pra que jamais
tu me liberes dos teus sonhos, teus enredos!

A desvendar-te ponto a ponto tu verás
que todo o tempo foi de encanto raro e ledo,
e a todo custo, prolongá-lo tentarás!



O PRAZER

Venero a natureza do prazer,
um milagre genético da vida
que ao ser humano entrega florescida
a árvore do encanto e do querer.

No dia-a-dia, vence a doce lida,
no processo da ardência a recrescer.
É ilusão, sonho, gozo a languescer,
ao rito hereditário da ultravida.

De repente, ressumbram sensações
a percorrer os nervos espinhais,
aos auspícios dos nervos encefálicos!

Repertório sagrado de emoções,
é o prazer que eterniza os imortais
em simples ais, em simples tons vocálicos!



APÓS, O OLOR QUE ALENTA

Os corpos transpiram no leito de sonhos,
entregam-se à sorte do amor sem limites,
trocando murmúrios, carinhos, palpites,
trazendo nas faces dois jovens risonhos!

As mãos tremulejam em mútuo convite,
ao tácito verbo dos seres pidonhos,
ao canto lascivo jamais enfadonho,
nascido no império da deusa Afrodite.

O tempo aprimora o instintivo pulsar
dos dois corações manietados às ânsias,
rendidos à viagem sublime das almas!

E mais uma vez, na explosão do arquejar,
espalha-se aos ventos a doce fragrância
do olor misterioso que alenta, que acalma!



AMOR AUSENTE

A emoção da lembrança pouco importa:
é resto, é cinza, tempos remexidos,
tantas vezes roteiro não vivido,
que nos ilude, amarga e não conforta!

Norte desencontrado, onde o sentido
revela-se exaurido e coisa morta,
aturdindo a memória e abrindo a porta
de fatos que se quer ver esquecidos!

Rumo incerto, aventura indefinida,
sonhos vagos aos pés do peregrino,
perdendo as horas caras do presente!

É sorte espúria a espera empedernida,
ilusão de veneno diamantino
de quem não mais terá o amor ausente!



O RITO DOS ZANGÕES

O verbo dos teus lábios sedutores
arruma-se nos versos do rodeio,
proclamando o vigor do devaneio
que alumbra o coração dos teus amores.

Teu verbo explode virgem do teu seio,
rendendo aplauso aos teus aduladores,
evitando magoar tantos senhores
que aspiram teus carinhos, teus enleios.

Teu verbo é a primavera da libido,
espargindo os olores das florinhas,
sob o clamor das chamas do desejo!

O rito dos zangões é obedecido;
nesse processo, tu és uma rainha:
eu morro e gozarás os teus voejos!

 



VIBRAÇÕES


No repente da noite silenciosa,
ao ferrete do amargo das esperas,
eis que lhe chega, linda e maliciosa,
quem não viria, mas chegou deveras.

A força transcendente da libido
aborda o instinto puro do animal.
Desperta, então, o amante sucumbido,
reassumindo energia doutro astral.

Olhos nos olhos, bocas se aproximam,
sob a preliminar concupiscente
que arrosta a nervatura às impulsões!

Agora, vibram corpos que se animam,
aquele quarto há pouco tão silente,
ao rigor das mais veras emoções!

 



SENTENÇA DO AMOR TRAÍDO

Escombros memoriais guardam desgraças
da história de um amor infortunado,
nascido em coração já maltratado
pelos desprezos tantos e chalaças!

Amor ardente, puro, adulçorado,
rendendo inspirações sob alta graça,
eis que num de repente se esfumaça;
com ele, o lar de paz, lar sublimado!

Homem experiente, foi-se, então, com calma
dar descanso à idade em monastério.
Mas, antes, sentenciou à ninfa ingrata:

“- Apunhalaste, ao fim, por trás, minha alma,
gozando de momentos refrigérios,
sob traição que ainda me maltrata!”



A FONTE DO DESEJO

O desejo abre as portas, rompedor!
Nascente de energia inexplicável,
seu segredo de ação é impenetrável,
mas tenho uma certeza: vem do amor!

Por que maior que tudo, invariável,
não há outro sentido, outro fervor,
que se arvore em potência e em tal ardor
como este sentimento insaciável!

Coração descompassa, alma se agita;
complicam-se as idéias e os projetos;
as cores e o horizonte se transfundem.

O amor é inspirador e não cogita
o desprezo das ânsias, dos afetos,
enfim, dos sentimentos que o aludem!



PRISIONEIRO

De antemão, sabedor do tempo ingrato,
enclausurado e só -, masmorra antiga -,
sinto vingar apenas a cantiga
do látego no corpo intemerato.

Sabedor que a agonia é o meu retrato,
sob aplausos das dores da fadiga,
sinto nojo dos pulhas de uma figa
que apontam meu sofrer algo abstrato!

Ao deus-dará, soçobram pensamentos,
ao rés-do-chão levados pelos ventos,
tal se a memória fosse imenso zero!

Aquele aceno foi justiçamento
de acusação de eventos insinceros,
sobre o amor que carrego ainda austero.

 


Grande Jornalista José Milbs!
Como Estás?
Parabenizo-te pelo excelente trabalho jornalístico que fazes, junto ao Jornal O Rebate. Gosto da tua veia MEMORIALISTA. Tu consegues me levar àquela Macaé pacata, ruas floridas, onde, na Rua do Meio, cansei de acompanhar o belo som da Banda da Lyra (é isso mesmo?).

 


 Antonio Kleber Mathias Netto nasceu em Macaé, a 13 de junho de 1947. Estudo no Grupo Escolar Mathias Netto e no Colégio Macaense. Cursou Faculdade de Direito na UFF. Ingressou na Magistratura do Rio Grande do Sul no ano de 1975. Aposentado, dedica-se à Literatura. Conta com cinco romances publicados e mais duas dezenas de livros entre poesias, contos, crônicas e pensamentos.