A indignação para uma nova forma-partido no Brasil

"Está claro que vem aí um vazio muito grande, de desencanto e mais indignação, e ele será ocupado de uma maneira ou de outra. Está clara a percepção de que existe uma demanda enorme por experimentações que multipliquem as formas de atuação". O comentário é de Bruno Cava Rodrigues em artigo no seu blog Quadrado dos Loucos, 02-02-2015.
Eis o artigo.
A conjuntura é paradoxal.
Por um lado, se tem a indignação crescente com os serviços públicos, o custo da moradia, o transporte, a falta de água, além de uma descrença generalizada ante o sistema político de partidos que, no Brasil, mistura oligarquias, mídias e famílias de políticos de todas as bandeiras. Tem surgido uma cidadania à quente, de alta intensidade, contra a casta, uma cidadania insurgente que foi às ruas em 2013, e que segue ativada em diferentes redes e espaços. A vontade é de participação e o desejo, difuso de mudança.
Em 2015, é provável que os indignados vão aumentar em número e na intensidade das demandas. Basta pensar na incapacidade dos governos de enfrentar a crise do Petrolão (corrupção sistêmica), do transporte e moradia (crise da cidade), da água (crise ambiental), da economia (ajuste antipopular), entre outras..
Por outro lado, se tem um momento de dispersão e fragmentação dos movimentos de luta. Por todo fronte parecem voltados a si mesmos, numa autofagia que, no final das contas, é desmobilizadora. Em 2014, os movimentos e ativistas expusemos fragilidades demais, em três momentos críticos: ao se defrontar com a repressão renovada, na Copa do Mundo e finalmente nas eleições.
O sucesso da restauração ao longo de 2014 foi tão grande que, agora, o governismo pretende ocupar situação e oposição, com Dilma e Lula em dialética combinada. Dilma representará diretamente as forças mais conservadoras e oligárquicas, enquanto Lula liderará uma frente de esquerda para fazer oposição a si próprio. Como se Lula não tivesse sido o cabo eleitoral número 1 da reeleição. Aquela, o leitor lembra?, cuja guinada à esquerda não somente não aconteceu (foi exatamente o contrário), como declarações de ministros e assessores revelam que a dita guinada jamais havia sido sequer cogitada. O plano de cooptação sob a legenda do governismo crítico parece, mesmo, ser usar a crise para perpetuar-se jogando factoides para a torcida simbólica “de-esquerda”. O que pode aliás funcionar. Porque o leitor não se engane, nenhum vazio permanece vazio em política por muito tempo: já dizia Foucault que o poder tem horror ao vazio.
Rio de Janeiro é um case interessante do paradoxo. Cidade em que as jornadas de junho a outubro de 2013 foram as mais potentes, em que emergiu uma constelação de novos coletivos, assembleias, midiativismo, em que a luta, como na campanha Cadê o Amarildo?, amalgamou favela e asfalto.
Foi o lugar em que o Ninguém (nulos e brancos) venceu o candidato da situação, do PMDB, exprimindo a recusa em bloco da população.
Foi nesse estado que um candidato até então desconhecido, Tarcísio Motta, chegou a 9% no primeiro turno (13% na capital). O que foi muito, comparado à candidatura do PT, com Lula no palanque e bem mais recursos, mas que apurou apenas 10%. Com um centésimo dos recursos e sem priorização pelo próprio partido, — o PSOL, mais focado nos mandatos parlamentares, — Tarcísio decolou na última semana saltando de 3% das pesquisas para os 9% das urnas.
O salto não foi o partido: como Pablo Iglesias, Tarcísio soube usar a televisão para fazer um discurso firme contra a casta, sem concessões ao “menos pior”, ou cálculos pessoais de alianças com o governismo. Assumiu o legado de junho de 2013 na plataforma, soube usar as redes sociais, e chegou a perguntar, no debate numa grande emissora, se Pezãosabia onde estava Amarildo. Ao fazer isso, Tarcísio carreou a indignação latente e apareceu como única segunda via diante do quadro monótono de candidatos governistas — Dilma se revezava no palanque dos quatro primeiros nas pesquisas (Pezão, Garotinho, Crivella e Lindberg).
Foi também no Rio que os deputados mais votados, curiosamente, foram Bolsonaro (460 mil votos, federal) e Freixo(350 mil, estadual). As projeções indicam que parte dos votos foi comum: a pessoa votou nos dois. Menos do que indicar alguma confusão ideológica do eleitor, esse resultado indica como a indignação, não encontrando vazão no sistema político existente, busca os marcos mais visíveis de rechaço para protestar na urna.
Então, o que fazer diante do paradoxo? É preciso fazer alguma coisa. Renovar-se, fazer apostas diferentes, mudar a prática para que ela não se transforme numa coreografia facilmente previsível e controlável, porque o sistema político não teme radicalidades que não aspirem a conquistar amplos setores da sociedade. As coisas não estão tão óbvias e os dogmas só nos fazem arrastar correntes sobre o que e como fazer.
Fundar um novo partido? Pode ser, mas somente com a condição de ser um partido absolutamente diferente dos existentes, na verdade, um não-partido. Para ser ainda outro partido socialista de esquerda, já existem muitos à disposição, numa luta encarniçada por pequenos pedaços do tabuleiro com que reafirmam suas identidades militantes e ideológicas. Mas a casta não tem medo deles.
As pessoas, talvez, não queiram outro partido. Querem um inteiro. Um partido que seja para desmantelar o sistema de partidos e, diante dos impasses e paralisias, dê um passe para que demandas, desejos e movimentos possam encontrar espaço mais desimpedido. Um partido para nutrir a utopia de viver num mundo sem a casta, representada pelos partidos.
Está claro que vem aí um vazio muito grande, de desencanto e mais indignação, e ele será ocupado de uma maneira ou de outra. Está clara a percepção de que existe uma demanda enorme por experimentações que multipliquem as formas de atuação.
A indignação é o grau zero de qualquer proposta de construção política que aspire a maiorias sociais. Isto significa, também, construir a partir de discursos contra a “classe política”, contra a corrupção, contra a desmoralização dos governos etc, com plataformas e espaços de debate e formulação que possam desenvolver a materialidade dessas questões: o sistema representativo, a corrupção como método de governo, as estruturas mafiosas e corruptas do poder econômico na gestão das cidades, transporte, lixo, construção, ruralismo etc.
Sem ficar sentado em grupelhos ou em casa, nas zonas de conforto, de nariz torcido acusando “protofascismos” — expressão certa de um protogovernismo cujo descontentamento não passa de performance vazia e inócua. O superego esquerdista é invencível: quanto mais tentamos cumprir as inúmeras exigências políticas, éticas e identitárias, mais nos sentimos culpados — porque é assim que funcionam as redes de patrulhamento político-ideológico: fique onde está e depure-se.
É possível que os caminhos tortuosos por onde passam as lutas existentes e tantas outras embrionárias, por qualidade de vida, poder direto de participação e decisão, de conquista de direitos sociais, raciais, culturais, pelo fim de uma corrupção que é a própria forma de governar no capitalismo hoje, e pela expressão das indignações de maneira franca, direta, sem cálculos, tudo isso tenha nos levado a um momento que pede uma ousadia diferente. Como certa vez o MASboliviano ousou, ou o Podemos espanhol, ou a Syriza na Grécia estão fazendo.
Não uma estratégia, não uma frente, não uma hegemonia — mais despretensioso do que isso, uma tática da cidadania contra a casta, uma aposta cidadanista para reconstruir as lutas a partir do plano institucional e eleitoral. Os lances dependem de nós próprios, e estão em aberto.

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