Com Obama nada vai mudar

O ambiente anda meio confuso e é preciso esclarecer alguns fatos. Há dias a imprensa mundial vem saudando a eleição de Barack Obama como algo de alcance galáctico. Noticiam os jornais e a mídia em geral que todos os problemas do mundo vão ser enfrentados pela nova administração desde a Casa Branca e se iniciará uma era de paz e concórdia mundiais.  

Não é bem assim: A população norte-americana é de 305 milhões de almas (dados do último censo). Lá, onde o voto é facultativo, apenas 170 milhões de pessoas são eleitores registrados (pouco mais de metade da população). Destes, apenas 124 milhões compareceram de fato às urnas em 4 de novembro último (cerca de 73% dos habilitados). Barack Obama, o vencedor, obteve 65 milhões de votos (38% dos aptos a votar). Ou seja o presidente eleito obteve o voto de pouco mais de um terço dos eleitores e de menos de 30% da população adulta norte-americana. Pior ainda, mais de 44% da população adulta dos EUA simplesmente aproveitou o feriado e não foi votar.  

Resumo da ópera: a principal interessada neste tema, a população dos EUA, está pouco se lixando para o assunto, como o apontam os números. Os norte-americanos têm defeitos como sociedade, é fato. Têm, entretanto, uma característica negativa adicional que vem cada vez mais sendo repassada às sociedades socialmente menos consolidadas da periferia do capitalismo: o individualismo. O individualismo é, em geral, associado ao egoísmo, típico de grupos que se consideram hegemônicos e superiores. Cuidam de suas vidas e ponto final. Este comportamento, no caso dos norte-americanos, tem suas origens no processo de fundação do país pelos migrantes protestantes que, fugindo da perseguição católica e das fogueiras da "Santa" Inquisição no século XVII, tinham a América como a terra prometida do Velho Testamento. Consideravam sua missão divina implantar do lado de cá do Atlântico uma sociedade mais justa e igualitária, fundada no trabalho, na justiça e nos valores do evangelho. Os fatos hoje lá evidentes demonstram à exaustão a completa falência deste projeto. Que o digam os índios, os africanos trazidos à força e os imigrantes hispânicos de hoje.  

Todo este preâmbulo busca demonstrar a inutilidade de acreditarmos, cá de longe, que alguma coisa substantiva de fato vai mudar no seio da grande nação do norte. Qualquer um que chega onde Obama chegou é submetido previamente a uma espécie de "exame vestibular" no qual é verificada sua mais absoluta lealdade aos valores lá cultivados desde os tempos dos "pilgrims" do Mayflower (1).  

Evidentemente, a crise financeira lá originada vai ser enfrentada de algum jeito. Todavia, se mesmo Bush assessorado por seus falcões liberais anti-intervencionistas teve de que abdicar dos dogmas do livre-mercado para injetar dinheiro público em instituições privadas especuladoras e delinqüentes, não se pode esperar de Obama, teoricamente menos liberal, nada melhor.  

A mídia tem se referido a Obama como o homem mais poderoso do mundo a partir de janeiro de 2009. É inocente quem pensa que um presidente tem muito poder. Nada mais impreciso. De fato, Obama terá a caneta na mão, mas será para assinar documentos e decretos em total consonância com o sistema. Seus atos serão permanentemente vigiados, até mesmo por gente "de casa" indicada pelos setores interessados e pelos "lobbies" que financiaram sua eleição e atestaram sua adesão ao esquema. Obama tem plena consciência dos deslizes cometidos por John Kennedy, Martin Luther King e outros. A um deslize seu e um "acidente" acontece, passando o governo ao desconhecido Joe Biden.  

Portanto, nada mais lúcido do que ler jornais com um pouco mais de senso crítico  


(1) O "Mayflower" foi o navio que trouxe da Inglaterra os primeiros perseguidos religiosos da Inquisição (pilgrims) para a colonização da América do Norte em 1621.