Atualizando os conhecimentos sobre nossa família

Comecei minha carreira acadêmica dando aula de história da antiguidade (e não antiga). Nos meus planos de curso, eu dedicava parte expressiva para analisar os hominídeos e as origens da cultura. As sociedades paleolíticas e neolíticas (e não pré-históricas) mereciam atenção especial e sempre suscitavam polêmicas com os alunos. Infelizmente, os professores de história da antiguidade hoje não se interessam mais por este assunto como antes. Embora aposentado, continuou acompanhando as pesquisas sobre nossa grande família paleontológica, hoje estudada mais por biólogos do que por cientistas sociais. Trago algumas novidades.

1- Ponto de mutação. A constituição da família dos hominídeos e sua diferenciação quanto aos grandes primatas (orangotango, gorila, chimpanzé, bonobo e seus antepassados) começa, até o momento, com o "Sahelantropus tchadensis", há quase 7 milhões de anos antes do presente. Em seguida, entram em cena o "Orrorin tugenensis" e as duas espécies de "Ardipithecus", sem que se tenha estabelecido o vínculo de sucessão entre eles. Parece que o "Ardipithecus" deu origem ao florescente gênero do "Australopithecus", do qual derivaram os gêneros "Paranthropus" e "Homo". Todos eles se extinguiram. Apenas o gênero "Homo" representa a família pelo "Homo sapiens".

2- Origem da cultura. Se considerarmos que orangotango, gorila, chimpanzé, bonobo e até mesmo o macaco-prego revelam capacidade de manusear materiais da natureza para atingir seus fins, podemos já dizer que o "Sahelanthropus tchadensis" e os hominídeos posteriores faziam o mesmo. Usar elementos brutos da natureza sem os trabalhar pode ser entendido como proto-cultura ou cultura. As primeiras ferramentas de pedra são seixos com pontas afiadas e datam de cerca de 2 milhões de anos atrás. Elas eram usadas com as mãos nuas. As espécies associadas a elas tinham como principal fonte de proteínas e gorduras as carcaças de mamíferos abatidos por carnívoros. Esses hominídeos ainda dependiam pouco da caça. O "Homo habilis", cujos restos foram encontrados por Louis Leakey, na Tanzânia, já usava ferramentas trabalh adas. As mais antigas lanças foram achadas na Alemanha e eram feitas inteiramente com madeira. Recentemente, foram encontradas mais de 200 pontas de lança de pedra no sul africano. Elas datam de 500 mil anos e tinham cabo de madeira. Supõe-se que estejam associadas ao "Homo heidelbergensis".

3- Descida das árvores. Até pouco tempo, supunha-se que o primeiro passo para a constituição da família dos hominídeos foi uma grande seca que obrigou primatas a descerem das florestas e a se acostumarem à vida na savana, adotando postura ereta e marcha bípede. Atualmente, acredita-se que os primeiros hominídeos viviam tanto nas florestas quanto no chão. O dedo grande do pé do "Ardipithecus" se opunha aos outros, como nos grandes primatas, indicando sua vida arborícola. Com os dedos dos pés já paralelos, o "Australopithecus afarensis", que viveu há mais de 3 milhões de anos, continuou a ser anfíbio, vivendo tanto no chão quanto nas árvores. Ambos já tinham marcha bípede. Concluiu-se que, para a obtenção de alimentos, era mais vantajoso viver em dois mundos. Em certas culturas, o "Homo sapiens" ain da hoje ganha sua vida subindo em árvores.

4- Fogo e cozimento. O fogo livre sempre existiu na natureza. Atribui-se ao "Homo erectus" a novidade de produzi-lo e de usá-lo para cozer alimentos. Recentemente, as cientistas brasileiras Suzana Herculano-Houzel e Karolina Fonseca-Azevedo confirmaram que o cozimento de alimentos permitiu aos hominídeos economizar energia com um corpo menor e um cérebro mais complexo. Enquanto o gorila chega a pesar 180 kg, contando seu cérebro com 33,4 bilhões de neurônios, o "Homo sapiens", com cem quilos menos, tem um cérebro com 86 bilhões de neurônios. A comida cozida é mais fácil de mastigar e de digerir, além de facilitar a absorção de calorias. O cozimento aumenta a disponibilidade de tempo para a vida social, que, por sua vez, estimula o desenvolvimento do cérebro.

5- Novos parentes. Quando lecionei história da antiguidade, só eram conhecidos o "Australopithecus", o "Paranthropus", o "Pitecanthropus", o "Neanderthal" e o "Homo", dispostos em linha reta. Hoje, já existem mais de 20 espécies identificadas, e outras estão sendo encontradas, como o "Australopithecus sediba", o "Homo rudolfensis", a espécie nomeada KNM-ER 1470, o "Homo floresiensis" e o possível "Homo" de Denisovan. Hoje, a distribuição dos hominídeos no tempo é concebida como um leque, não mais como uma linha reta. Houve momentos em que mais de uma espécie existia ou conjuntamente ou em espaços distantes.

Nos anos de 1970, Loring Brace declarou que o evolucionismo era a sua religião. Se ele fosse considerado como religião, haveria dogmas e o conhecimento científico não avançaria. Em ciência, tudo deve ser tomado em caráter provisório.