A Modernidade e a natureza

Incluo-me entre os críticos radicais da Modernidade. Em meu entendimento, formado por leituras, observações e ativismo político não-partidário, a civilização ocidental construiu um modo de vida social e ecologicamente insustentável. As raízes mais profundas deste modo de vida podem remontar ao judaísmo-cristianismo. Num nível mediano, poderíamos situar a mudança de curso do ocidente para um comportamento contranatural no humanismo dos séculos XV-XVI e na revolução científica do século XVII. O caule desta árvore bem ancorada no chão é a revolução industrial, que deu origem a dois grossos

galhos: o liberalismo e o socialismo. Embora concebam a estruturação da economia, a organização da sociedade e o ordenamento da política de forma distinta e até mesmo antagônica, ambos os sistemas estão de mãos dadas quanto ao projeto de uma megatecnologia estandardizada e à visão utilitarista da natureza. É bem verdade que o galho socialista definhou e está restrito a dois países, se tanto, enquanto o galho liberal engrossou. A atitude em relação à natureza não-humana, contudo, continua a mesma. Basta olhar para os objetivos dos Estados Unidos, de Cuba, da Coréia do Norte e da China. Por este prisma, o mundo ocidental e ocidentalizado não tem salvação, a menos que sofra uma mudança profunda e deixe de ser ele mesmo.

A partir destes princípios, tenho analisado os grandes empreendimentos já operando ou em fase de instalação em todo o mundo, como as grandes hidrelétricas chinesas e brasileiras, as empresas de petróleo, os grandes portos, as siderúrgicas, as termoelétricas, as grandes transposições de bacias e tantos outros congêneres. Tais empreendimentos foram e estão sendo criados para atender às demandas dos países que pretendem colocar-se no mesmo pé que os países modernos mais avançados, promovendo a industrialização e a urbanização.

Este processo vem destruindo a natureza não-humana, gerando poluição de toda ordem e acentuando as desigualdades sociais. Atualmente, o Brasil, colocado como a oitava economia do mundo, não, certamente, é o oitavo protetor do meio ambiente nem a oitava qualidade de vida.
Vistos por este ângulo, o objetivo de empresas como a Petrobras, da transposição do Rio São Francisco para rios menores do Nordeste, da hidrelétrica de Belo Monte e do complexo industrial-portuário do Açu passa a ser subalterno: seu papel é produzir matérias-primas, energia e artigos de consumo para colocar e manter em movimento um modelo de desenvolvimento que pretende crescer a qualquer custo. Esses megaempreendimentos são potencialmente perigosos para o ser humano e para a natureza não-hum ana. Ao analisar os acidentes produzidos pela Petrobras na baía de Guanabara e no Paraná, tratei-a mais como vítima do que como vilã. Continuou sustentando esta análise por acreditar nela, e noto que a mesma não deixa de ser cômoda para as empresas.
"Afinal, fomos programados para exercer esta função. Não somos responsáveis por nossas atividades. Se não perseguirmos com sofreguidão a produtividade máxima, perdemos terreno numa economia globalizada". Esta lógica vale para países capitalistas e países que se dizem socialistas, para a iniciativa estatal e para a iniciativa privada.

No entanto, governos e empresas não admitem que a depleção da natureza e os acidentes são inerentes ao processo produtivo. Eles podem ser contidos e minorados, mas a possibilidade de ocorrerem nunca pode ser descartada, como são descartados os dejetos de seu funcionamento.

Como não vislumbro, no momento, indícios de que está em curso a crise terminal da economia de mercado, entendo que é preciso estabelecer limites. Certo que, numa economia de mercado, os Estados e as empresas precisam ser competitivos, para atender a um sistema voraz. Já que não é possível, no curto prazo, converter as predatórias economias nacionais num rebanho de cordeiros, torna-se imperioso mantê-las sob controle dentro dos marcos em que elas foram concebidas.
A avidez das empresas em superar limites fê-las deixar de lado o item segurança, por mais que elas afirmem cuidar ciosamente dele. Não se pode esperar risco zero ou segurança cem das unidades produtivas, mas pode-se exigir maior zelo na proteção do ambiente e da integridade de seus fu ncionários.

Dentro destes limites, os possíveis (até diria prováveis) acidentes não podem mais simplesmente receber como explicação que fazem parte normal da operação das unidades, que se trata de algo intrínseco ao processo produtivo da empresa. Estamos lidando com a natureza e com vidas humanas. É difícil pensar no Estado como entidade reguladora das suas iniciativas e das iniciativas na esfera privada, mas é ele que deve exigir compensações das empresas públicas e privadas. Do contrário, a sociedade acabará por assumir o processo de controle, o que também considero remoto.