Diálogo leal sobre o Açu

Recebi de um colega e amigo os esclarecimentos que Carlos Minc, Secretário de Estado do Ambiente – RJ, Luiz Firmino, Subsecretário de Estado do Ambiente – RJ e Marilene Ramos, Presidente do Instituto Estadual do Ambiente – RJ prestaram a críticas formuladas ao empreendimento industrial-portuário do Açu, capitaneado pelo grupo empresarial EBX, do empresário Eike Batista. Tais esclarecimentos foram postados na lista do professor José Eli da Veiga, da Universidade de São Paulo. Como os comentários alcançaram um nível público, não vejo restrições em apresentar uma visão diferente dos signatários, a minha visão.

Os esclarecimentos das autoridades estaduais começam com o título “A realidade do licenciamento em Porto Açu”, acompanhado pela seguinte observação: “Alguns veículos de comunicação divulgaram insinuações sobre supostas facilidades e irregularidades na concessão de licenças ambientais para o projeto Porto Açu, do Grupo EBX, do empresário Eike Batista, no Norte Fluminense. É necessário que a população seja informada dos fatos”. Vêm, então, as considerações, que comento logo abaixo de cada uma.

1) Ao contrário do que foi referido, a licença do Mineroduto foi dada pelo Ibama, e não pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), após Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental (EIAs/Rimas) e audiências públicas.

Soffiati: De fato, o mineroduto, por cruzar mais de um Estado da Federação, foi licenciado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que deveria também fazer parte do processo de licenciamento dos demais empreendimentos a serem instalados no distrito industrial de São João da Barra (entenda-se, da EBX), pois quase todos localizam-se em terrenos de marinha e no mar territorial, bens da União. No entanto, o IBAMA transferiu sua competência para o Estado do Rio de Janeiro.

2) Ao contrário do mencionado, todas as licenças do Inea foram precedidas de EIAs/Rimas e audiências, na forma da lei.

Soffiati: Correto, desde que se leve em conta que o ritual de licenciamento tem um caráter meramente legal. As comunidades atingidas e as pessoas interessadas não participam da formulação dos Estudos Prévios de Impacto Ambiental. Nem, ao menos, são informadas periodicamente sobre os resultados parciais dos estudos para opinarem. Por sua vez, as audiências públicas se tornaram uma farsa, pois, de antemão, mesmo antes da audiência pública, o projeto já está aprovado pelo órgão governamental competente. Por mais que o auditório proteste e tenha um prazo adicional para se manifestar, o licenciamento não muda em nada.

3) Ao contrário do insinuado, não houve facilidades. Pesadas compensações ambientais foram impostas ao grupo para dotar toda a região de adequada infraestrutura de saneamento, para suportar o crescimento devido à instalação do projeto. Foi elaborada uma AAE (Avaliação Ambiental Estratégica) para verificar a sinergia das atividades que se implantarão, com visão de planejamento ambiental da região dentro dos conceitos modernos de gestão.

Soffiati: Por mais que o INEA tenha sido exigente com o grupo EBX, todos os empreendimentos foram licenciados até agora. Pela legislação vigente, o licenciamento de um distrito industrial deve levar em conta o conjunto dos empreendimentos. No entanto, cada empreendimento está sendo licenciado isoladamente. Ainda não se tem ideia do conjunto dos empreendimentos a serem instalados no distrito industrial. Portanto, de nada valem uma avaliação ambiental estratégica ou um grupo de gestão integrada do território. Qualquer planejamento pode ir a pique com um novo empreendimento não previsto, como foi o caso do estaleiro da OSX.

4) Quando ministro do Meio Ambiente do governo Lula, Carlos Minc se posicionou contra a instalação de um estaleiro do grupo em Santa Catarina, pois comprometeria três unidades de conservação. No caso do Porto Açu, ao contrário, o mesmo grupo teve que sustentar a criação de três unidades de conservação: a RPPN Caroara, o Parque Estadual do Açu e a Área de Proteção Ambiental Grussaí. Inclusive a RPPN Caroara, com 4 mil hectares – a maior de área de restinga do país – foi instalada na área comprada pelo grupo para sediar inicialmente o polo. O Parque Estadual do Açu, ao sul do distrito industrial, conta com 8 mil hectares.

Soffiati: O estaleiro, proibido em Santa Catarina e transferido para o Açu, é a obra mais impactante do complexo industrial-portuário. Ele cortará ao meio a parte íntegra da Lagoa do Veiga por um canal de 300 metros de largura por 18 metros de profundidade. Nem a foz do Rio Paraíba do Sul tem tais dimensões. O acesso ao mar será feito por um canal submarino que se ligará ao canal principal da ilha-porto numa costa que não conta com uma ilha sequer. A abertura de ambos os canais no fundo do mar já está causando danos à vida marinha, pois a areia retirada por uma enorme draga flutuante e lançada em outro ponto do mar mata animais marinhos e muda profundamente as condições ambientais no ponto de retirada e no ponto de bota-fora. Quanto às Unidades de Conservação, os limites iniciais do Parque de Gruçaí foram drasticamente reduzidos em função dos interesses do grupo EBX. Hoje, ele se reduz ao Banhado da Boa Vista, à Lagoa do Açu e à parte da Lagoa Salgada. A Reserva Particular do Patrimônio Natural de Caroara, pertencente ao grupo, não pode se comparar, em extensão e importância, aos Parques Nacional da Restinga de Jurubatiba, no norte fluminense, e Estadual de Setiba, no Espírito Santo, ambos protegendo ecossistemas de restinga. De mais a mais, a situação crítica de Santa Catarina foi transferida para o Estado do Rio de Janeiro. Lá, o estaleiro não pôde se instalar por ameaçar três Unidades de Conservação já existentes. Aqui, para poder se instalar o estaleiro, o grupo terá de arcar com os custos de três Unidades de Conservação, que também serão ameaçadas mais que por um estaleiro, porém por um conjunto de empreendimentos impactantes. Trata-se de um contrasenso.

5) As condicionantes ambientais para a aprovação do projeto foram algumas das maiores do país já estabelecidas. Apenas para obter duas licenças prévias, foi exigido investimento de R$ 60 milhões para obras de saneamento na região, R$ 7 milhões para implantar um corredor verde de Mata Atlântica que é berço do macaco Muriqui, que será símbolo das Olimpíadas de 2016, e R$ 3 milhões para pescadores e aquicultura.

Soffiati: De fato, uma ninharia para o oitavo empresário mais rico do mundo. Ele deve recuperar, de forma exponencial, o que despendeu em termos de compensações ambientais. Deve-se considerar que a aparência do conjunto empresarial impressiona em suas plantas e maquetes, mas todo ele representa um atraso muito grande face às tendências atuais. Suas empresas vão trabalhar intensivamente com recursos naturais não renováveis e com carbono, tais como ferro, carvão mineral, petróleo e gás natural. Sua contribuição para o aquecimento global ainda não foi devidamente calculada, mas, sem dúvida, o empreendimento, em seu conjunto, comprometerá as metas de redução dos gases do efeito-estufa assumidas pelo Brasil em compromissos internacionais.

6) Houve embates duros com o grupo para garantir a preservação de restingas e lagoas, com a mudança da localização inicial do empreendimento, e pela adoção das tecnologias mais modernas e menos poluentes, entre 2007 e 2011. Portanto, nada foi feito a toque de caixa, como insinuado.

Soffiati: Apesar dos duros embates, o pecado original do grande empreendimento, como já mencionado, é operar com recursos naturais não renováveis intensivos em carbono e ter sido autorizado o estaleiro pelo INEA a rasgar uma lagoa alongada, paralela à costa, por um canal que vai colocar o mar dentro do continente. Cabe salientar, ainda, que uma termelétrica e uma siderúrgica do empreendimento vão captar água do Rio Paraíba do Sul, já tão combalido, nas proximidades da foz, depois de todos os seus afluentes. Há motivos para suspeitar da lisura dos licenciamentos do INEA num momento em que as relações entre o governador Sérgio Cabral e o empresário Eike Batista se mostram tão suspeitas. Este é o DNA do grupo, como dizem seus representantes.

Tenho um profundo respeito e uma genuína admiração por Carlos Minc. Já estivemos juntos em várias manifestações em defesa do ambiente. A meu ver, o estaleiro que o grupo EBX pretendia instalar em Santa Catarina e não conseguiu só veio para o distrito industrial do Açu porque Minc ocupava o cargo de Ministro do Meio Ambiente. Como é ardoroso defensor de Unidades de Conservação, creio que não permitiria a instalação do estaleiro no norte fluminense na condição de Secretário Estadual. Foi na gestão de Marilene Ramos como Secretária Estadual do Ambiente que o pedido do grupo EBX para trazer o porto para o Açu foi aceito.

Não cabe publicar a íntegra da carta de Carlos Minc aqui. Destacarei apenas os pontos que desejo comentar, respeitando seu texto.

1- “Soffiati é velho companheiro. Foi consultado em todas as etapas, e vibrou quando criamos os parques e RPPNs, enfrentando a força do Grupo X. Nos deu apoio e assessoria ao André Ilha para fundamentar a criação de UCs na totalidade da área inicialmente comprada pelo grupo para ser o distrito industrial.”

Soffiati: Minc tem razão em parte. Se pedirem minha colaboração para a instalação de Unidades de Conservação, estou sempre pronto, ainda que elas tenham apenas um hectare. Defendo as pequenas Unidades de Conservação onde as grandes não cabem, seguidor que sou do biólogo norte-americano Edward O. Wilson. Acontece que, no Açu, um grande Parque entre as Lagoas de Gruçaí e do Açu foi sendo empurrado para o sul e reduzido em suas dimensões pelo grupo EBX. Quando Minc retornou à Secretaria Estadual do Ambiente, o distrito industrial não permitia mais a continuidade territorial do Parque Estadual de Gruçaí. Então, ele foi dividido em três UCs: o Parque Estadual do Açu, abaixo do distrito industrial; a Reserva Particular do Patrimônio Natural de Caroara e a Área de Proteção Ambiental de Gruçaí. Ajudei o Instituto Estadual de Ambiente a planejar as três e vou continuar ajudando, mas não é esta a minha intenção original, tampouco a do INEA.

2- “Nenhum ambientalista, em hora alguma, em lugar algum se posiciona a favor de um grande empreendimento, independentemente do rigor da licença, e até de suas próprias demandas serem, em boa parte, incorporadas.”

Soffiati: Noto que os ambientalistas estão se tornando muito pragmáticos, a ponto mesmo de não pleitear áreas protegidas. Não é o meu caso. Se não posso derrotar a economia de mercado, que ela pague ao Estado compensações para a criação de UCs.

3- “Quanto às audiências públicas, como se sabe, em todo o país, elas não têm poder deliberativo de impedir um licenciamento. Eu mesmo fiz a lei das audiências, à época a mais avançada. Agora sairá uma deliberação CONEMA com ainda mais participação e espaço para questionamentos, com acesso on line do EIA-RIMA, e outros pontos, a pedido também do Ministério Público Estadual. As audiências servem para transparência, questionamento, obrigação de responder todos os pontos. Não é levantar a mão, contar os votos (de quem? De quem leva mais gente pró ou contra??). Estas audiências, especificamente, e enfrentando resistências, levaram à total mudança do local inicial, entre restingas e lagoas - uma raridade no

licenciamento ambiental do país. Ou seja, funcionaram de fato!”

Soffiati: Pena que, agora, a parte pesada e suja do grupo EBX já foi aprovada. E sobre a maior restinga do Estado do Rio de Janeiro.

4- “Quanto a recursos naturais, ferro, gás etc., concordo que não é a tecnologia do séc. XXI, mas a do século passado. Saíra em poucas semanas o Decreto RJ de mudanças do Clima, com critérios, metas, instrumentos. Há 2 semanas editamos o guia de compras e construções sustentáveis RJ, pioneiro.”

Soffiati: Como sempre, o Brasil está atrasado, com sua legislação chegando tarde pra impedir o megaempreendimento do Açu, intensivo em carbono. Carlos Minc corrobora minha opinião de que o atraso não está conosco, mas com o grupo EBX.

5- Minc: “É interessante que este polo industrial não seja na região metropolitana, como inicialmente pensado. Nesta há saturação das bacias aéreas e muito congestionamento. Criar alternativas de emprego no Norte, em região pobre e sem alternativa, e menos saturada, é o correto. Aprovamos agora uma nova lei de eliminação progressiva de queimadas que afeta o Norte Fluminense, e com a mecanização, quebra empregos na cultura da cana.”

Soffiati: A restinga do Açu está destinada a um porto off shore desde que Garotinho foi  governador do Estado do Rio de Janeiro. Claro que o grupo EBX daria preferência a uma área não congestionada. Assim, foi o otimista e desenvolvimentista Wagner Victer, membro do PCdoB e presidente da CEDAE, quem apresentou a área do Açu a Eike Batista. Para mim, esta é a razão verdadeira. Nunca soube que, no início, o grupo EBX pretendesse instalar seu complexo na área metropolitana do Rio de Janeiro. Mesmo assim, o porto Sudeste será instalado na região metropolitana do Rio de Janeiro. Fui consultor do Programa de Microbacias do Estado do Rio de Janeiro, o Rio Rural. Minha proposta é que os trabalhadores substituídos pelas ceifadeiras mecânicas no corte de cana crua fossem alocados no Rio Rural ou num programa, que também propus, para restaurar o ambiente no norte-noroeste fluminense. O reflorestamento de áreas críticas no noroeste fluminense, principalmente, geraria empregos estáveis e socioambientalmente úteis. Mas, agora, o complexo industrial-portuário do Açu aparece como solução para os desempregados da lavoura canavieira. Considero pura ilusão que o grupo EBX absorva trabalhadores que saíram do corte de cana queimada.

6- Minc: “Vetamos o porto off-shore em Arraial do Cabo, para preservar a pesca artesanal e o ecoturismo, mostrando que seria mais interessante ao Norte, na bacia de Campos-Macaé. Mas nenhum ecologista (ou não ecolo) aceita um aterro sanitário, uma Estação de Tratamento de Esgoto ou um polo na sua região.”

Soffiati: Os moradores e freqüentadores da Região dos Lagos estão politicamente mais organizados que os do norte-noroeste fluminense. Se o grupo EBX pretendesse lá se instalar, a grita seria muito grande. No norte fluminense, o falso desenvolvimento proposto pelo grupo EBX cria expectativas de emprego para os pobres e de desenvolvimento para a elite política e econômica, desde que não contrarie os interesses dela. Enquanto ecologista assumido, ainda acreditando que a filosofia ecologista proposta na década de 1970 é a crítica mais radical da Modernidade e a melhor proposta alternativa de civilização, recebo com entusiasmo aterros sanitários verdadeiros, associados a usinas de reciclagem, bem como Estações de Tratamento de Esgoto, sempre lembrando que não basta criar áreas para dar solução adequada aos rejeitos do consumismo. É preciso criar novos padrões de consumo. Quanto a polos, entendo que se trata de uma concepção ultrapassada de desenvolvimento.