Áreas úmidas

No trabalho de orientação de monografia, tenho encontrado dificuldades com as tipologias das áreas úmidas, formuladas a partir da Convenção de Ramsar. Esta convenção resultou de um encontro de representações nacionais na cidade de Ramsar, Irã, no ano de 1971, para discutir o estado das áreas úmidas do mundo e adotar medidas para protegê-las. Hoje, o Ramsar passou a ser um programa assumido pela Organização das Nações Unidas.
A principal dificuldade encontrada por estudiosos das áreas úmidas, no hemisfério sul, é que as tipologias foram concebidas por estudiosos do hemisfério norte, tomando por base os ecossistemas aquáticos dessa parte do planeta. Os autores mais conceituados usam a medida de até seis metros de profundidade para classificar uma lâmina d'água como área úmida. Nas lagoas costeiras do Brasil, por exemplo, a maior parte delas estaria enquadrada na categoria de áreas úmidas. Outra dificuldade para os estudiosos do hemisfério sul é considerar ecótono o trecho que se estende da margem de um ecossistema aquático até a profundidade de seis metros. Se tomarmos a profundidade das lagoas brasileiras, quase todas deixariam de ser ecossistemas e passariam a ser ecótonos.
E o que é um ecótono? Resumindo o que explicam os dicionários e glossários de ciências ambientais, ecótono (oíkos=casa; tonus=tensão) é a zona de transição entre dois ou mais ecossistemas ou biomas, contendo elementos de ambos sem formar um conjunto distinto. Ecossistema (oikos=casa; systema=conjunto) é um sistema auto-organizado e auto-organizável constituído de fatores abióticos (sem vida) e bióticos (vivos) interagentes em circuitos recursivos que lhes conferem unidade e identidade estruturais e, ao mesmo tempo, equilíbrio dinâmico em ritmos distintos, tais como homeostasia (equilíbrio), sucessão lenta e mudanças bruscas. Bioma (bios=vida; oma=massa, proliferação) é o conjunto orgânico de ecossistemas aparentados, formando uma supra-unidade e, ao mesmo tempo, interferindo nas unidades formadoras.
Na condição e ecohistoriador, não estou aqui a contestar o que dizem os oceanógrafos e os limnólogos (estudiosos dos ecossistemas aquáticos continentais e costeiros). Como ecohistoriador, não me contento com as classificações existentes para as áreas úmidas. Portanto, é na minha esfera de pesquisa que teço os comentários a seguir.
No ensaio que faço acerca de áreas úmidas, objetivando compreendê-las para melhor conhecê-las na sua relação com as sociedades humanas, parto do cruzamento de cinco variáveis: talassosfera-limnosfera, aberto-fechado, fundo-raso, sincrônico-diacrônico, nativo-antrópico. Examinemos cada uma delas:
1) talassosfera-limnosfera. Talassosfera (talassos=mar+esfera) é o conjunto dos ecossistemas marinhos, enquanto limnosfera (limnos=lago+esfera) é o conjunto de ecossistemas aquáticos continentais, superficiais ou subterrâneos. Podemos substituir o conceito de ecossistema marinho por talassossistema, por se equivalerem. Da mesma forma, limnossistema corresponde a ecossistema aquático continental. Para o ecohistoriador, os oceanos, compreendidas as plataformas continentais, são também áreas úmidas.
2) aberto-fechado. De alguma forma, os talassossistemas e os limnossistemas são abertos para outros e para as chuvas. Há conexão entre águas subterrâneas, superficiais e pluviais. Devemos, contudo, para fins empíricos, examinar se um ecossistema aquático se apresenta ligado a outro permanente ou periodicamente ou se é alimentado apenas pelas águas subterrâneas e pluviais. Neste segundo caso, ele seria fechado.
3) fundo-raso. Em decorrência da espessura da lâmina d'água, um talassossistema ou um limnossistema aproveitará mais a insolação e produzirá mais vegetação aquática, que atrai diversos organismos. É de se esperar uma biodiversidade maior em ecossistemas aquáticos rasos do que em fundos. Mesmo assim, as zonas abissais dos oceanos formam ambientes para seres vivos adaptados a condições extremas. Por outro lado, os brejos, tão desprezados pela população e pelo poder público, além de não contarem com a devida proteção legal, são ecossistemas rasos de alta biodiversidade.
4) sincrônico-diacrônico. Sincronia significa estudar algum fenômeno astronômico, geológico, biológico e social num determinado momento, sem considerar sua história. Por outro lado, diacronia, significando através do tempo, estuda os fenômenos considerando sua história. O historiador privilegia a diacronia por entender que ela contribui sobremaneira para a compreensão de um fenômeno.
5) nativo-antrópico. Um ecossistema em estado nativo é aquele que não sofreu intervenção humana ou que a sofreu minimamente. Já um ecossistema que sofreu graus maiores de intervenção humana pode ser classificado como transformado ou mesmo como antrópico em seu todo.
Valendo-nos dos critérios apresentados, podemos tentar uma classificação para as águas do planeta. Vale salientar, mais uma vez, que esta classificação é proposta por um ecohistoriador, não por um limnólogo ou oceanógrafo.
1- Oceanos. A maior parte do planeta é ocupada por águas salgadas e profundas. A biodiversidade aí não é tão grande, mas bastante variada. Há organismos que se adaptaram a condições extremas, muitos dos quais ainda desconhecidos pela ciência. Os oceanos têm uma ligação intrínseca com o ser humano, que, em várias civilizações, neles navegou. Aprendemos que a Europa ocidental foi a mais destacada na arte da navegação, a partir do século XV da nossa era. Cumpre, porém, lembrar da Polinésia, que alcançou a Ilha de Páscoa, dos muçulmanos e dos chineses. Atualmente, os oceanos estão poluídos, como pesquisas recentes constataram no Mar de Barents, e sofrendo os efeitos das mudanças climáticas.
2- Plataformas continentais. São as partes mais rasas dos oceanos, ficando contíguas aos continentes. Em razão de uma lâmina d'água menos espessa, a insolação cria condições favoráveis ao aumento da biodiversidade. As plataformas continentais constituem o mais espetacular sistema de produção de oxigênio e de absorção de gás carbônico. No entanto, este sistema já dá sinais de exaustão. Os bancos de corais começam a morrer e a poluição proveniente dos continentes perturba mais ainda seu funcionamento.
3- Estuários. São ecossistemas riquíssimos formados pelo encontro da água doce dos rios com a água salgada do mar. Em si, um estuário já é um ecossistema. Não é necessário que se desenvolva um manguezal nele. Aliás, o manguezal se explica pelos estuários inter-tropicais, não o contrário. Acima e abaixo dos trópicos, outras formas de vegetação e outra fauna se desenvolvem neles.
4- Lagunas. São ecossistemas lênticos (águas dormentes, como se falava antigamente) com água salina ou salobra, fechadas ou abertas para o mar perene ou periodicamente. Processos naturais ou antrópicos podem produzir o assoreamento das lagunas, transformando-as em brejo ou mesmo levando-as à extinção.
5- Rios. Ecossistema de águas lóticas (ou de águas fluentes) doces que recebem afluentes e acabam no mar, em lagos e lagoas. Os rios talvez sejam os ecossistemas aquáticos mais agredidos pelas sociedades humanas, que os assoreiam, poluem e barram para diversos fins.
6- Lagos. Constituem-se de limnossistemas profundos, como é o caso do Lago Baikal. Também eles estão sofrendo agressões das sociedades humanas.
7- Lagoas. Geralmente, localizam-se na zona costeira, mas podem ocorrer no interior. São limnossistemas lênticos de água doce, fechados ou abertos para rios ou mar. Contando com lâminas d'água delgadas, as lagoas formam ambientes propícios para o desenvolvimento de vegetação aquática e para a diversificação da fauna.
8- Banhados. Podem ser extensas áreas banhadas permanente ou periodicamente, de caráter predominantemente lêntico, com lâmina delgada, entre a lagoa e o brejo. Há banhados de água doce, salgada e salobra. No Brasil, o estado que mais conta com este ecossistema é o Rio Grande do Sul. Poderíamos considerar o Pantanal Matogrossense como um banhado não fosse a sua condição de bioma, o que lhe confere mais complexidade, pois ele conta com banhados, brejos, lagoas e rios no seu interior.
9- Confluências. Assim como os estuários, a confluência entre dois rios cria ambiente bastante propício ao aumento da biodiversidade.
10- Brejos. Normalmente, é limnossistema lêntico de água doce, com lâmina d'água aparente ou lamosa. A luminosidade e o calor favorecem a proliferação de plantas aquáticas, que atraem a fauna aquática, terrestre e alada. Podem ser abertos para um limnossistema lótico permanente ou periodicamente. Do ponto de vista histórico, uma lagoa tende a se transformar em brejo. Com a interferência antrópica, este processo geralmente é acelerado. Há também brejos de água salgada e salobra. No senso comum, o brejo é desprezível, ocupando o lugar antes ocupado pelo manguezal. A legislação brasileira não lhe dá a proteção adequada.
11- Águas subterrâneas. Embora seja difícil classificá-las como ecossistemas, as águas subterrâneas são imprescindíveis para as águas superficiais dos continentes. Também elas têm movimentos. Também elas estão sendo contaminadas por ações humanas.
12- Limnossistemas antrópicos. São aqueles construídos pelas sociedades humanas. O represamento de um rio muda seu regime hídrico com a formação de um lago. Os poços fazem aflorar as águas subterrâneas. Os canais apresentam caráter lótico. Em todos eles, porém, a tendência é a renativização, ou seja, a de serem modificados pela biodiversidade.
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