Royalties, pra que te queremos?

Há anos, venho escrevendo que os municípios contemplados com os royalties do petróleo, em todo o Brasil, devem aplicar a maior parte desses recursos na montagem de uma economia socioambientalmente sustentável e durável. Traduzindo em miúdos, isto significa uma economia diversificada, de pequenas e médias plantas, de produção com baixos impactos ambientais, promotora de justiça social, auto-suficiente e perene.
Entretanto, matéria escrita por Sílvia Freire e Matheus Magenta, com o título de "Bonança do petróleo não melhora cidades" e publicada na "Folha de São Paulo" de 31 de outubro deste ano, mostra que a aplicação dos montantes derivados dessa bonança caminha em direção oposta. Segundo a reportagem, os municípios aquinhoados gastam mal ou de forma irregular os recursos. Estão faltando honestidade, competência e criatividade.
Numa lista de vinte municípios beneficiados, os municípios entre os Rios Itapemirim e Macaé que mais dependem dos royalties são, em ordem decrescente, Presidente Kennedy, São João da Barra, Campos, Quissamã, Carapebus, Macaé e Itapemirim. A dependência desses municípios, em percentual, é a seguinte: Presidente Kennedy - 78,8%, São João da Barra - 74,2%, Campos - 58,7%, Quissamã - 47,3%, Carapebus - 44,8%, Macaé - 32,7% e Itapemirim - 26,7%. Tudo indica que a dependência aumenta na medida em que o município recebe um montante maior de royalties em relação ao seu território e à sua população, negligenciando a cobrança de impostos municipais.
Este o quadro na porta da frente. E na porta dos fundos, ou seja, na porta da aplicação? Dois indicadores sociais foram tomados para medir o uso dos recursos recebidos: educação e saneamento. Para a obtenção de resultados, foram cruzadas informações colhidas em 2009 e 2010 junto à Secretaria do Tesouro Nacional, ao Ministério da Educação, à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis e ao Sistema Nacional de Informação de Saneamento.
Em termos de Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), a média das notas das escolas municipais em avaliações dos alunos na 4ª série foram as seguintes: Presidente Kennedy - 3,2; São João da Barra - 3,3, Campos - 3,3, Quissamã - 4,3, Carapebus - 4,1, Macaé - 5,0 e Itapemirim - 4,5. Todos os municípios, com exceção de Macaé, obtiveram médias inferiores às estaduais. Parece que não é para a melhoria da qualidade da educação nas escolas municipais que se destinam os royalties. 
Quanto ao saneamento medido apenas pelas unidades que contam com abastecimento de água encanada, Presidente Kennedy teve o percentual de 28,8%, São João da Barra ficou com 73,8%, Campos com 87,9%, Quissamã com 57,5%, Carapebus com 38,6%, Macaé com 22, 7% e Itapemirim com 77,0%. Quanto a este quesito, é preciso comparar os índices atuais com os anteriores ao repasse dos royalties, a fim de verificar o percentual de aumento. O índice maior foi o de Campos. Mas é preciso ir mais fundo em termos de saneamento. É preciso levantar o percentual aplicado em rede de esgoto com estações de tratamento, em galerias de águas pluviais e em coleta de resíduos sólidos com aterros sanitários e usinas de reciclagem.
Acompanhando ainda a reportagem, nela, o professor Cláudio Paiva, do departamento de economia da Unesp (Universidade Estadual Paulista), que pesquisa a relação entre royalties e políticas públicas, declara que as prefeituras, em geral, não têm estrutura para criar projetos de desenvolvimento. De fato, em tempo relativamente curto, os municípios beneficiados não souberam ou não quiseram montar órgãos técnicos capazes de produzir políticas públicas, programas e projetos para promover um desenvolvimento saudável, socioambientalmente sustentável, justo, bem distribuído e perene.
Em Campos, a secretaria de planejamento foi extinta pelo atual governo municipal. O programa Morar Feliz, de habitações populares, não será cumprido e, se for, aumentará o passivo ambiental do município. A geração de trabalho socioambientalmente útil não existe. Espera-se apenas que o complexo industrial portuário do Açu resolva este problema. A produção de alimentos não está sendo incentivada na medida das necessidades. Não há áreas de lazer condignas com a população do município. A saúde preventiva e curativa vai mal. O Fundecam, como o grande fundo de financiamento, não sabe formular políticas públicas. Os cargos de confiança são incompetentes. Em muitos casos, a aplicação dos royalties é suspeita de irregularidades.
No entanto, os movimentos promovidos pelos governos do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, bem como pelos governos municipais, em defesa dos royalties são frequentes, com dispensa de funcionários públicos, praticamente obrigados a participar deles, deslocando-se em enormes caravanas de ônibus e ganhando um lanchinho. De quebra, ainda queimam pneus.
O que nunca aconteceu, até agora, foram manifestações defendendo a correta aplicação dos royalties.