A sedução e a chantagem do mercado

Em todas as civilizações, houve atividade comercial parasitando o sistema produtivo. Os comerciantes não produziam nada. Apenas compravam excedentes da produção para vender e obter lucro. No mundo europeu, foi diferente. O comércio, desejando mais excedentes para vender, invadiu a esfera produtiva e fundou o modo de produção capitalista. Mesmo não sendo marxista, entendo que modo de produção é um conceito perfeitamente explicativo para sistemas teóricos não marxistas.
A intenção do comerciante sempre foi aumentar o lucro. Com o modo de produção capitalista, ele valoriza o capital nas esferas rural, industrial e bancária. Este processo de invasão dos setores produtivos pelo capital foi se desenvolvendo desde fins da Idade Média até a Revolução Industrial, no final do século XVIII. Paralelamente a ele, o capitalismo promoveu a expansão da Europa pelo Oceano Atlântico a fim de pilhar a natureza e os povos de outros continentes.
A fundação de colônias fora da Europa foi um feitiço que se voltou contra o feiticeiro. Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, América Latina, Japão, Coréia, China, Índia, África do Sul e tantas outras terras, antes colônias da Europa, tornaram-se independentes e também aprenderam a ser capitalistas. Quem imaginaria que a China, ex-domínio de tantos países, promovesse uma revolução socialista e se tornasse, posteriormente, uma grande potência capitalista?
O capitalismo tomou conta do mundo e o transformou. A economia de mercado criada por ele precisa estar sempre inovando para estimular o consumo. Cada vez mais, necessita da obsolescência de uso e de troca para obter lucros. Sem sacar da natureza mais do que ela consegue repor, não há capitalismo. E há recursos que não se renovam. A economia de mercado esgota a natureza, devasta a vegetação nativa, empobrece a biodiversidade, polui águas continentais e oceânicas, produz lixo em alta escala e altera a estrutura do clima.
Mas não apenas o ambiente é afetado pelo capitalismo. A humanidade também. Atualmente, uma esmagadora parcela da população mundial vive na faixa da miséria. O padrão Somália prevalece. Outra expressiva parcela vive na faixa da pobreza. A camada média freqüenta shoppings em todo o planeta e flana inconsequente no consumismo. Os ricos detêm as grandes propriedades rurais, as fábricas, os bancos e as grandes empresas comerciais, alimentando os consumidores de supérfluos e gerando desejos naqueles que não têm poder aquisitivo para comprar. O mercado seduz.
Todavia, mais que sedução, o mercado faz chantagem. O capitalismo criou a ilusão de que só ele promove o desenvolvimento, gerando emprego, renda e impostos. O modelo se baseia na iniciativa privada concentradora, com empreendimentos de grande escala. Até mesmo os governos se tornaram empreendedores e incentivadores deste estilo. Basta ver o caso da hidrelétrica de Belo Monte e de tantas outras planejadas para a Amazônia. Como escreveu Ibsen de Gusmão Câmara em excelente artigo, o modelo de crescimento adotado no mundo todo é faminto de energia. Para alimentá-lo, é necessária a construção de hidrelétricas, de usinas nucleares ou termelétricas movidas a fontes fósseis.
Se algum crítico deste sistema se expressa, políticos, empresários, classe média e até pobres acusam-no de ser contra o progresso, de desejar que os pobres continuem pobres, de torcer para que a arrecadação pública não cresça. Eis a face chantagista do modelo. Ao lado das religiões, há outras duas: a do nacionalismo e a do crescimento. Se as leis não garantissem minimamente os direitos do homem, creio que os nacionalistas e desenvolvimentistas condenariam seus críticos à morte.
As duas novas religiões usam como argumento principal a redenção da humanidade. As igrejas de origem judaísta até defendem o ser humano, mas não passam dele. Pela minha ótica, quem defende os direitos absolutos do ser humano defende também a sua desgraça, pois não pode haver qualidade de vida para o homem destruindo a natureza. O antropocentrismo é inimigo da humanidade. E as religiões (agora falo de todas elas) estão mais preocupadas em salvar as almas de seus fiéis do que cuidar bem do planeta.
Em vista de tais argumentos é que me tornei um pessimista, embora não um niilista. Sou cético quanto às propostas do capitalismo, do nacionalismo e das religiões. Sofro com a destruição da natureza, mas sei que, no final das contas, ela sobreviverá, como já aconteceu com as cinco grandes catástrofes naturais que se abateram sobre a Terra. Não creio que a humanidade se extinga, mas prevejo um mundo pior do que o atual para a humanidade. E notem que o mundo atual já é péssimo.