Nova ponte João Figueiredo

No início dos anos de 1980, o deputado federal Alair Ferreira, então muito íntimo do ministro Mário Andreazza, conseguiu do governo federal a construção de uma ponte sobre o Rio Paraíba do Sul para ligar a parte sul e a parte norte do município de São João da Barra. Foram construídos os pilares, mas a obra foi abandonada. A parte norte de São João da Barra tornou-se um outro município com o nome de São Francisco de Itabapoana. Já me perguntaram por que eu não ofereci nenhuma representação ao Ministério Público exigindo estudos de impacto ambiental para a construção da obra. Resposta: naqueles distantes tempos, em que meus cobradores nem sequer tinham nascido, a legislação não definia com clareza o que eram estudos de impacto ambiental e o Ministério Público não tinha as prerrogativas que ganhou com a Constituição de 1988.
De lá até os dias que correm, sempre apareceram pessoas pleiteando a retomada das obras para a conclusão da ponte. O interesse por ela aumentou com a perspectiva segura da instalação do complexo logístico industrial-portuário do Açu (CLIPA). Pode parecer suspeita de um velho ecologista, mas tal suspeita aumentou quando, recentemente, o Departamento de Estradas de Rodagem do Rio de Janeiro (DER-RJ) anunciou que o local da ponte será mudado. A cabeceira de São João da Barra vai se localizar na direção do trevo das rodovias BR-356 e RJ-240, exatamente no ponto de acesso, pela estrada federal, para o complexo do Açu. O DER-RJ afirma que a mudança se deve a questões ambientais, argumento muito estranho vindo de um órgão que sempre passou como rolo compressor sobre o ambiente. Vou tentar justificar minhas suspeitas.
1- A estrada RJ-196, a ser ligada pela ponte, tem três segmentos. O primeiro, já asfaltado, estende-se de Conceição de Macabu a Barra do Furado, em Quissamã. O segundo foi planejado, mas nunca asfaltado. Seu traçado não é exatamente conhecido por nós mortais. O terceiro liga a sede do Município de São Francisco de Itabapoana ao Distrito de Barra do Itabapoana, pertencente ao mesmo município.
2- A ponte ganha sentido para ligar os primeiro e segundo segmentos da RJ-196 ao terceiro. Suspeito que o complexo do Açu deseja duas conexões com a BR-356. Uma, que atingirá a margem direita do Rio Paraíba do Sul pelo corredor logístico do Açu. Uma pequena nota da imprensa local divulgou o interesse do grupo EBX em construir uma ponte ligando o corredor logístico à BR-356, que dá acesso a Minas Gerais. A outra já existe no trevo da BR-356 com a RJ-240. É por ali que entram as pedras e outros materiais para a construção do complexo, por enquanto.
3- Mas por que o interesse pela ponte na direção da estrada que leva ao empreendimento? Porque ela permite chegar a São Francisco de Itabapoana. Certo, mas como seguir adiante? O DER do Espírito Santo está quase acabando de pavimentar a ES-060, conhecida como Rodovia do Sol e ligando Vitória a Presidente Kennedy. De longa data, sabe-se da intenção de criar uma longa rodovia paralela à BR-101, ligando Conceição de Macabu a Vitória. Se cortar dois Estados da Federação, esta rodovia passará à União. O ex-deputado federal Geraldo Pudim, inclusive, apresentou proposta de federalizar a estrada na Câmara dos Deputados. Assim, o complexo do Açu teria também acesso ao Espírito Santo.
4- A história dos dois segmentos pavimentados da RJ-196 e o trecho da ES-060 entre Presidente Kennedy e Marataíses é lamentável em termos de agressão ambiental. Eles cortam córregos, rios e lagoas com aterros ou com passagens d'água subdimensionadas. Não sem razão, ofereci representações ao Ministério Público Federal em Vitória sobre a ES-060 (em 29/01/2001, gerando o Procedimento 117000000077200116) e ao Ministério Público Estadual em Campos (em 07/09/1999, gerando o Inquérito Civil Público nº 254/01) e Macaé (em 23/08/2001, gerando o ICP 188/01). Com relação ao trecho São Francisco de Itabapoana-Barra do Itabapoana, existem pareceres do próprio Grupo de Apoio Técnico Especializado do MPE (GATE), da UENF e da antiga FEEMA. Recentemente, percorri o trecho Conceição de Macabu-Barra do Furado para redigir um relatório-parecer a pedido do Ministério Público Estadual em Macaé.
5- O segmento central da RJ-196, ainda não pavimentado, tem pela frente e por baixo uma área coberta de lagoas e canais. Há, inclusive, uma área reservada pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA) para a criação do Parque Estadual da Lagoa do Açu que pode ser afetada pela pavimentação do trecho central. O traçado já mudou algumas vezes e deve mudar novamente por conta da relocalização da ponte. Pavimentar o trecho central da rodovia e aproveitar a RJ-194, na margem esquerda do Rio Paraíba do Sul representam o verdadeiro desafio ambiental para o DER-RJ. Como não confio nos órgão de estradas do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, os Ministérios Públicos Federal e Estadual devem cobrar Estudos Prévios de Impacto Ambiental.