Nós, macacos

Nos meus 40 anos de magistério, sempre encontrei dificuldades em tratar do evolucionismo biológico. Mesmo em cursos superiores, o tema causa desagrado aos alunos. Por 25 anos, dei aula no curso de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense, em Campos. Nele, predomina um corpo discente formado majoritariamente por alunas cristãs católicas, evangélicas, pentecostais, para-evangélicas e espíritas.

Curioso que as alunas de Serviço Social não enfrentem problemas com o pensamento de Marx. Inclusive, muitas se identificam com o socialismo, talvez por conta dos "Atos dos Apóstolos". No entanto, quando eu abordava o evolucionismo biológico, invariavelmente alguém perguntava com indignação: "Você está querendo dizer que o homem veio do macaco?". Era preciso deixar bem claro, em primeiro lugar, que eu não queria doutrinar ninguém. Em segundo, que a teoria sintética da evolução explica que o ser humano, o orangotango, o gorila, o chimpanzé e o bonobo têm um ancestral comum. No final, eu já respondia que não somos descendentes dos macacos, mas uma espécie de macaco.

As evidências são grandes quanto ao nosso parentesco com as quatro espécies primatas. Do ponto de vista anatômico, nós e eles temos dois braços, duas pernas e duas mãos capazes de segurar.

Fundamentalmente, a diferença está nos pés, pois, nas quatro espécies de macaco, eles conservaram a capacidade preênsil. Nos hominídeos, família da qual fazemos parte, o dedão do pé (chamado de hálux pelos cientistas) foi se alinhando paralelamente aos demais dedos e se adaptando à marcha. Mesmo assim, se necessário, o pé humano pode voltar à preensibilidade.

Do ponto de vista fisiológico, as fêmeas das quatro espécies de macacos costumam gerar apenas um filhote de cada vez e amamentá-lo em duas mamas, como fazem as fêmeas humanas. Pelo prisma neurológico, esses macacos apresentam invulgar inteligência. Em termos de comportamento (etologia), não apenas as quatro espécies, mas quase todas as espécies de macaco se organizam em sociedade, com chefia e hierarquia. Várias delas também demonstram a capacidade de produzir inventos para viver, como é o caso do macaco prego e do macaco japonês.

Faltava uma prova irrefutável: a constituição genética dos quatro grandes macacos e do ser humano. Pois agora não falta mais. O sequenciamento completo do DNA do gorila, reunindo 20 laboratórios, mostrou que este primata compartilha com o ser humano ("Homo sapiens"), 97% de seu DNA. Já sabíamos que o ser humano compartilha com o orangotango 96% do seu DNA, enquanto o chimpanzé tem 99% do DNA similar ao nosso. Embora os humanos estejam mais próximos do chimpanzé, o nosso DNA se parece mais com o do gorila em 15%. A intenção das pesquisas não é provar que nós e os quatro grandes macacos estamos nivelados, mas demonstrar as ligações intrínsecas que temos com eles e explicar como a diferença de 4%, 3% e 1% gera espécies aparentadas com comportamentos tão distintos. Certo que orangotango, gorila e chimpanzé podem adotar atitudes profundamente agressivas, mas nenhum deles é capaz de produzir guerras tão violentas quanto à

Segunda Guerra Mundial, a guerra do Vietnã e as guerras do Afeganistão e do Iraque. Orangotango, gorila e chimpanzé podem se revelar dóceis, inteligentes e sensíveis, mas não conseguem escrever livros e compor sinfonias.

Como judaístas, cristãos e muçulmanos, as três grandes religiões monoteístas e bíblicas, podem lidar com esta evidência? Não parece difícil em termos teológicos. Alguns teólogos aceitam perfeitamente o evolucionismo e as relações do ser humano não somente com os quatro grandes macacos, mas com todos os seres vivos. O livro do "Gênesis" usa linguagem metafórica. Não havia, no tempo em que foi escrito, revelações científicas encontradas segundo as linhas de investigação propostas por Darwin. Os livros sagrados das três religiões falam de metafísica e de ética, não de ciência. Podemos muito bem conciliar religião e ciência, pois, se, para Deus, não foi impossível criar homem e mulher do barro por que seria impossível criar a vida e permitir que ela caminhasse com suas próprias pernas, gerando o ser humano?

Da minha parte, que me lembre, desde adolescente, alegra-me saber que tenho ancestrais próximos representados por todos os hominídeos; que faço parte de uma grande família constituída por todos os macacos; que integro uma grande humanidade formada por todos os seres vivos. Não vejo necessidade em considerar apenas os grandes macacos como sujeitos de Direito. Entendo que toda a natureza é sujeito de Direito e que merece nosso respeito e nossa proteção.