Mário de Andrade e o cinema

Especialistas de procedências diversas já reclamaram que a Semana de Arte Moderna não produziu um bom crítico de teatro e de cinema, bem como um estudioso de história em quadrinhos. Quanto ao cinema, Paulo José da Silva Cunha organizou um livrinho intitulado Mário de Andrade no Cinema (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010), reunindo os escritos do grande intelectual modernista sobre a nova arte. Mário demonstrou seus dotes de fotógrafo, merecendo um livro inteiro de Amarildo Carnicel.
Em suas cartas, várias vezes Mário informa que vai ao cinema, depois de trabalhar muito em sua infindável e exaustiva agenda. Iria para se divertir? O livro mostra que não. Se ele não exerceu a crítica sistemática de filmes, reconheceu logo que a nova tecnologia poderia permitir a criação de obras de arte. No artigo Cinema, de 1922, ele conclui: "A cinematografia é uma arte que possui poucas obras de arte".
Vejo que dois eixos norteiam as preocupações de Mário com relação ao cinema: buscar obras de arte produzidas com a nova tecnologia e abrasileirar o cinema nacional. Sua primeira crítica, publicada com o pseudônimo de R. de M., refere-se ao filme brasileiro Do Rio a São Paulo para casar, dirigido por José Medina e lançado em 1922. Suas observações se voltam para a fotografia, que considera nítida e bem focalizada. Para ele, o enredo (diríamos hoje roteiro) não é mau, tampouco a montagem. Contudo, fulmina: "Acender fósforos no sapato não é brasileiro (...) É preciso compreender os norte-americanos e não macaqueá-los. Aproveitar deles o que têm de bom sob o ponto de vista técnico e não sob o ponto de vista dos costumes."
A primeira iluminação de Mário veio ao assistir O garoto, de Charles Chaplin, filme de 1922. Três artigos são escritos sobre ele. No último, Mário se posiciona de maneira completamente oposta a Celina Arnauld, que escrevera sobre o sonho de Carlitos na revista Action. Assim, ele inicia uma discussão com autoridades internacionais.
Longa é sua lista de filmes vistos, comentados ou simplesmente citados. Mencionamos José Medina (Do Rio a São Paulo para casar), Charles Chaplin (O garoto, O vagabundo, Vida de cachorro, Luzes da cidade e O grande ditador), Clyde Cook, Harold Lloyd, Erich von Stroheim (Esposas ingênuas), John Stuart Robertson (O médico e o monstro), Friedrich Murnau (Satanás e Fausto), Robert Weine (O gabinete do Dr. Galigari), Paul Leni (O gato e o canário), D.W. Griffith (Lírio partido), Charles Ray (O pugilista), Harry O. Hoyt (O mundo perdido), Raymond Bernard (O jogador de xadrez), W.S. van Dick (O pagão), Walt Disney (A dança macabra, Morte do pintarroxo, Branca de Neve e Fantasia), Lewis Milestone (Nada de novo no front), G.W. Pabst (Guerra, flagelo de Deus), James Whale (Frankenstein), Mervin LeRoy (Sede de escândalo), Oscar Fischinger (An optical poem), Basil Wright (Song of Ceylon), Alberto Cavalcanti (Coal face), John Grierson (Drifters) e Stuart Legg (The voice of britain). Estranhamente, não aparecem os nomes de Mario Peixoto e de Humberto Mauro.
Várias questões inquietam Mário no cinema. Como outros intelectuais de sua época, ele rejeitou, no início, o cinema falado, mas acabou aceitando a incorporação da fala aos filmes. A relação entre cinema e música para ele chega ao auge no maior texto que escreveu, dedicado à Fantasia, de Disney. Nele, Mário tece comentários inteligentes, como a capacidade de Disney em humanizar animais e não conseguir o mesmo com seres humanos. A colorização da luz é outra observação primorosa.
Em seu entendimento, o fonógrafo não era mais piano, violino e orquestra, mas ele próprio um instrumento. Escrevendo sobre Fausto, de Murnau, Mário salienta que o diretor poderia ter se valido de efeitos especiais, como a claridade e a escuridão. Bem usados, os efeitos especiais são um recurso próprio do cinema e que poderiam enriquecê-lo enquanto manifestação artística. Pena que o intelectual não deve ter assistido às experiências cinematográficas de Vertov. Recordemos que os filmes estrangeiros chegavam ao Brasil com atraso. Certamente os produzidos na União Soviética sofriam censura. Além do mais, o único meio de conhecer os filmes era frequentando cinemas. Não havia VHF nem DVD.
Não deixa de ser atraente o espetáculo de um intelectual que se dedicou à criação literária, à crítica de literatura, de música e de artes plásticas e às pesquisas no campo do folclore perceber o potencial do cinema como forma de expressão artística. A percepção de Mário está atenta, pois, de certa maneira, ele está nos primórdios de uma nova arte. Suas observações são de extrema pertinência, mas passariam despercebidas para nós, já acostumados com a linguagem cinematográfica.

 

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