A grande ilusão

Nos países periféricos e nas regiões provincianas deles, a maioria dos componentes da sociedade e do governo continua acreditando numa concepção de desenvolvimento já questionada com veemência nos países centrais. Não importam as diferenças de gênero, de variedades fenotípicas (raças), de idade e de classe social. Uma mulher negra, idosa e pobre pode crer no desenvolvimento convencional que lhe é ensinada na escola ou no contexto em que vive com tanta convicção quanto um intelectual.
Neste artigo, destacarei três características desta concepção de desenvolvimento: as dimensões do empreendimento, a crença na capacidade de tais empreendimentos gerarem trabalho e renda e a certeza de que este desenvolvimento produz bens e serviços indispensáveis à felicidade humana.
Nos últimos duzentos anos, consolidou-se a noção de que o desenvolvimento de uma sociedade só é possível por meio de grandes empresas. Consultando o senso comum sobre como promover o desenvolvimento, teremos como resposta, invariavelmente, que ele só é possível através de grandes fazendas modernas e de grandes fábricas. É comum medir o desenvolvimento de uma cidade por seus arranha-céus e por suas chaminés.
Acompanhando a propaganda eleitoral gratuita nas emissoras de rádio e tevê, em Campos, ouvimos de um candidato que ele vai implantar um grande complexo industrial-portuário em Barra do Furado e duplicar o trecho da BR-101 a ser municipalizado quando construída a estrada de contorno. De outro, que vai construir um aeroporto no Farol de São Tomé e um distrito industrial para apoiar o super-porto do Açu, que já faz parte de um distrito industrial. Os programas são expostos com brilho nos olhos e com profundo entusiasmo. Tudo é grandioso. Agora, com a boca cheia, fala-se de uma ferrovia que ligará o complexo do Açu ao de Barra do Furado e a Campos. Não vem ao caso saber se tais empreendimentos são possíveis e viáveis. Será apenas tática e leitoral dos candidatos para conquistar eleitores? Não. Os candidatos acreditam piamente neste desenvolvimento sem nenhuma reflexão a seu respeito.
Não são abordados os problemas socioambientais que afetam cidades com este tipo de desenvolvimento megalomaníaco, muito embora propostas de defesa ao ambiente e de promoção da cultura estejam nos respectivos programas de governo.
Os apologistas do desenvolvimento convencional enchem a boca para garantir que os grandes empreendimentos vão gerar emprego e renda. Não se discute se o trabalho, nas grandes empresas, satisfaz às necessidades físicas, mentais e espirituais do trabalhador, nem se os salários pagam a alienação a que ele é submetido. Num estaleiro, por exemplo, os empregados executam tarefas que não são completas e que não dizem respeito ao ser humano. A especialização não permite a compreensão de cada parte no todo. Nã o sem razão, grande número de funcionários sofre de problemas físicos e psicológicos que o salário não compensa. E os candidatos inserem, em seus programas, propostas voltadas à saúde curativa sem estabelecerem vínculos entre causa e efeito.
Em terceiro lugar, o desenvolvimento tradicional tenta nos seduzir com o fetiche da mercadoria. Não importa o que se produz. Importa produzir. Bens úteis e indispensáveis ao ser humano equivalem a bens supérfluos e a bens nocivos. A proposta do desenvolvimento clássico para o norte fluminense atualmente é a produção de energia a partir de recursos minerais carbono-intensivos, de navios e de aço. Poderia ser de armamentos e de aviões de guerra. Poderia até mesmo ser de alimentos. O que interessa é a mercadoria para gerar lucros. A geração de postos de trabalho não é uma benesse do empresário, mas uma necessidade. Ainda é necessário usar o trabalho humano para a obtenção de lucro.
Pela ótica dos cientistas que compõem o Centro Resiliência de Estocolmo, o desenvolvimento que está chegando ao sul capixaba e ao norte fluminense contribui drasticamente para agravar pelo menos quatro problemas ambientais dos nove levantados por eles: mudanças radicais no uso do solo, aumento do lançamento dos gases causadores do efeito estufa, empobrecimento da biodiversidade e redução da água doce.
Quem ler este artigo poderá concluir que sou socialista por atacar a economia capitalista. Será uma conclusão equivocada. O socialismo real que conhecemos até hoje também cultuou o desenvolvimento a partir de empreendimentos suntuosos e altamente impactantes no plano socioambiental. A China fez uma revolução sangrenta para se livrar do capitalismo e para construir uma sociedade igualitária. Acabou se transformando numa potência industrial voltada para o mercado. Minha crítica se dirige aos dois grandes sistemas nascidos da Revolução Industrial.
Enfim, a ilusão do grande desenvolvimento é uma grande ilusão.

 

Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 23 de setembro de 2012