Quem é quem

A partir da Revolução Francesa de 1789, o sociólogo e historiador Immanuel Wallerstein identifica três posturas diante do mundo, com reflexos políticos acentuados: a conservadora, a liberal e a socialista. Podemos reconhecê-las na prática. Tomemos, por exemplo, o complexo logístico industrial portuário do Açu e observemos como se posicionam as pessoas diante dele.

Atitude conservadora. Na Ecorregião de São Tomé, no meu entendimento, formada pelas regiões sul capixaba e norte-noroeste fluminense, o conservadorismo é representado pela economia tradicional da agropecuária. As pessoas que foram criadas e se movimentam nesta visão de mundo podem ser cristãs, mas não dão importância à concepção evolucionista do cristianismo. Podem freqüentar igrejas, mas não vivem esperando o retorno de Cristo e a ressurreição dos mortos. Simplesmente, elas tocam a vida sem questioná-la, acreditando que sua cosmovisão inconsciente é a correta. Frederico, personagem central de "Olha para o Céu, Frederico", de José Cândido de Carvalho, ilustra bem esta posição. Ele é dono de um engenho típico do século XIX em pleno século XX que sofr e ameaça de um liberal com sua usina moderna. Não se preocupa em se atualizar, não tem discursos, não assume posição política declarada. Não sabe o que pensa. Simplesmente pensa sem pensar. Em relação ao complexo do Açu, em princípio, o conservador o considera uma ameaça à sua visão de mundo e aos seus negócios. Não apenas o ruralista tradicional vê com temeridade o grande empreendimento, como também o pescador, que não deixa de ser conservador e corporativista.

Atitude liberal. A visão liberal também se afirmou a partir da Revolução Francesa, inspirada nas ideias de François Quesnay e Adam Smith. Nesta perspectiva, a história caminha para frente e para o alto, sempre em direção ao progresso. Tanto Quesnay quanto Smith entendiam que a economia de mercado livre promoveria o progresso econômico e social. Seus seguidores liberais, contudo, foram se limitando a promover o progresso econômico. Segundo eles, não é preciso se preocupar em incrementar o progresso social, que virá automaticamente na esteira do progresso econômico. Os liberais confundem desenvolvimento com industrialização. Mesmo nas economias extrativistas e agropecuárias, é preciso implantar a lógica industrial. Normalmente, são otimistas. Acreditam que o progre sso é inexorável e resolverá todos os problemas sociais e ambientais, mas sempre com o empresário industrial no comando do processo. Para o liberal, o complexo do Açu representa a substituição de uma economia agropecuária conservadora por uma economia industrial e moderna que redimirá a região. Raramente, o liberal é nacionalista convicto. O nacionalismo só aflora em seu discurso quando ele se sente ameaçado por forças externas maiores que a sua.

Atitude socialista. Podemos afirmar que esta postura é representada majoritariamente pelo marxismo. O pensamento é nitidamente evolucionista. Partindo de um modo de produção primitivo, a história, movida pela luta de classes, alcançará um objetivo feliz para toda a humanidade: a sociedade comunista. No marxismo clássico, a burguesia é a grande inimiga do proletariado, que ela própria criou na sua sofreguidão pelo lucro e na concorrência com os adversários. Contudo, ela desempenha um papel histórico muito importante, na medida em que destroi os modos de produção pré-capitalistas e prepara o caminho para a revolução e para a ditadura do proletariado. Diante do complexo do Açu, os socialistas podem adotar três posições. A primeira é entender que ele, por sua mag nitude, está industrializando a região e ajudando na formação de uma classe operária que futuramente pode contribuir na promoção de uma revolução comunista. A segunda considera Eike Batista um capitalista ganancioso e inescrupuloso. Por este prisma, o complexo não é justificável. Um socialismo aliado ao nacionalismo defenderia o complexo tendo um Estado nacionalista à frente, como foi o caso da Petrobras e da Companhia Siderúrgica Nacional. A terceira entende que o Estado se associou ao capital privado e está espoliando os pequenos produtores rurais e pescadores. O complexo seria perfeitamente aplaudido se promovido pelos trabalhadores num Estado socialista. Poucos são os que têm uma legítima preocupação com os impactos ambientais do empreendimento.

Atitude ecologista. Esta não ganhou a condição de postura por Wallerstein, mas se destaca de todas as outras. Para o ecologismo, enquanto sistema filosófico e político, o complexo do Açu é condenável independentemente de quem o promova. A questão essencial é a natureza do empreendimento em si, que esgota recursos naturais não renováveis, destroi ecossistemas, gera poluição em larga escala e produz injustiças sociais. Para os ecologistas, o complexo é ultrapassado, embora incorpore preocupações sociais e ambientais em seu discurso, preocupações falsas, aliás. Se existe uma espécie de aliança entre conservadores, socialistas e ecologistas, trata-se de uma aliança tática, e não estratégica. Para o ecologismo, é preciso construir um desenvolvimento que esteja em consonância com os limites do planeta.