Desabafo de um ser artista

Imprimir

Às vezes me transporto da escuridão à luz cálida de uma tela em branco, e nesta superfície fria, vejo as cores dos meus desalentos se transformarem em imagens belas.
Sempre quando me perguntam o significado de uma obra, fico na dúvida, sei que surgiu de um sentimento reprimido, que por vezes  sinto  dificuldade em  identificar,  mas tenho a certeza de um grande alívio quando consigo me  expressar através dos riscos incertos, ou por traz da perfeição de uma  imagem que eu gostaria de ser.
Se fosse possível descrever todos os nossos sonhos, através de traços e cores, meu mundo seria um imenso arco-íris cheio de significados
Talvez então não existissem dores, nem miséria, nem drogas, nem doenças, nem desigualdades.
Talvez fossemos então todos iguais, em oportunidades, e esperanças.
Minha alma de artista grita por igualdade, e quando não posso mudar a realidade, eu pinto.
Traço um mundo irreal, belo, sereno, nostálgico.
Às vezes a sanidade faz-me sentir louca, uma loucura doce e complacente.
 Faço-me de surda, e busco dentro de mim os sons que desejo ouvir, me faço de cega, e vejo apenas as coisas que me fazem bem aos olhos.
 Engano-me o tempo todo, e neste doce engodo, vou vivendo fora de uma realidade cruel demais para permitir que minha fragilidade tome forma.
Mas não me calo, grito com as cores do meu inconsciente.
Construí meus castelos na areia macia, belos, imensos, impressionantes, porém frágeis; e fico da janela deles esperando  o momento em que uma grande onda os destruirá, e  terei que reconstruí-los novamente.
 Sei que este novo castelo já não será tão belo, pois terá que ser mais sólido, entrará menos luz, a cada nova onda, menos janelas,  mais travas nas portas, mais proteção.
Até que um dia, este castelo será enfim uma edificação segura e fria.
O ser artista que habita este palácio, não quer segurança, quer a beleza da fragilidade que a areia pura e simples determina.
Existem dois seres em um, o racional, e o emocional.
Um edifica e o outro habita.
O que edifica sofre, porque não pode habitar um palácio tão frágil, e o que habita sofre, por saber que jamais terá frieza para edificá-lo novamente.
O artista é uma alma dividida em múltiplas facetas.
Um dia ri, no outro chora, no outro chora de novo e novamente sorri, não tem constância, não se prende.
A alma de um artista é livre, ainda que o seu ser matéria esteja preso às convenções, ele é livre em sua essência, em seus pensamentos, em sua criação.
A alma de um artista tudo pode. Pode amar e pode sofrer.
 Porque amando, vai criar obras suaves, e porque sofrendo vai derramar em cores fortes a sua realidade.
Sou uma alma que vaga pela imensidão de um mundo em que não se encaixa, uma matéria que por vezes se desfragmenta e se entrega ao doce encanto do irreal.
Somos cor e amor, luz e trevas, coerência e loucura.


01/08/2007