Para servir ao imperialismo, a gerência FMI-PT deu o passo que faltava para escancarar a agricultura brasileira aos transgênicos, ou organismos geneticamente modificados: primeiro, legalizou a soja clandestinamente introduzida pela Monsanto; e depois manipulou a composição da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio) para aprovar produtos como o milho Bt da Bayer, a despeito de proibição baixada pela Alemanha, onde essa corporação tem a sua sede.
Inconformada com tanta subserviência, uma das principais integrantes da CNT Bio, — a médica sanitarista Lia Giraldo da Silva Augusto demitiu-se, condenando a lei 11.105, sancionada em 2005 para retirar dos órgãos reguladores e fiscalizadores “a competência de decidir, em última e definitiva instância, quanto à liberação de espécies geneticamente modificadas ou que contenham organismos geneticamente modificados (OGMs), bem como avaliar — para autorizar a comercialização, o consumo humano, e a liberação desses produtos na natureza—, os riscos ambientais envolvidos, dispensando estudo prévio de impacto ambiental e os riscos à saúde humana.”
A brecha
O primeiro passo da gerência FMI-PT para saciar a voracidade das
corporações transnacionais ocorreu em 24 de março de 2005, quando foi
promulgada a Lei de Biossegurança. Foi inteiramente desprezada a
exigência da Constituição Federal (artigo 225, inciso IV), de
realização do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) em qualquer atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente.
Em conseqüência, ocorreram liberações (soja geneticamente modificada)
que aguardavam decisão judicial, rasgando ações, que estavam em curso,
a respeito da necessidade de realização de prévio estudo de impacto
ambiental para liberação desse transgênico e outras espécies no
ambiente natural e a avaliação de riscos à saúde. Transformou-se em
letra morta a obrigatoriedade, estabelecida em março de 2004, de
rotulagem com símbolo específico de produtos que contenham 1% ou mais
de elementos transgênicos .
Na verdade, ao sancionar a Lei 11.205, os prepostos das corporações
estrangeiras no sistema de governo demonstraram que ninguém se preocupa
com a biossegurança brasileira. Todos fazem apenas o jogo das
transnacionais de biotecnologia, já se perdendo a conta das empresas
que deixaram clara sua posição de ignorar as muitas evidências
científicas e ambientais contra os transgênicos. Não bastasse isto,
diante do arrefecimento das polêmicas na CNTBio, baixou, no ano
passado, a Medida Provisória 327, reduzindo de 18 para 14 o quorum para
aprovação de transgênicos. Nem isto, porém, foi feito às claras: a
MP-327 cuidava apenas de regulamentar o plantio de transgênicos no
entorno das Unidades de Conservação Ambiental, e a castração da
Comissão foi perpetrada mediante emenda sutilmente introduzida.
A questão fundamental não é o transgênico em si, mas a imposição das
corporações monopolistas quanto às sementes por elas modificadas em
função de seus interesses e em detrimento da economia (e da saúde) do
nosso povo.
Numerosas entidades científicas alertaram a gerência FMI-PT sobre os
riscos que o país correria caso o quorum de votação da CTNBio fosse
reduzido. Questões delicadas, como a aprovação comercial de organismos
geneticamente modificados, têm que ser muito bem analisadas antes de
qualquer decisão. Agora, com a redução do número mínimo de votos
necessários para essa aprovação, a Comissão tende a ser apenas uma mera
carimbadora dos pedidos da indústria de biotecnologia.
A demissão
Na carta de demissão, datada de 17 de maio (o mesmo dia da aprovação do
milho Bt), a cientista Lia Giraldo da Silva Augusto destaca que naquela
Comissão há poucos especialistas em biossegurança, capazes de avaliar
riscos para a saúde e para o meio ambiente e os votos são
pré-concebidos, “verificando-se uma série de artimanhas obscurantistas
no sentido de considerar as questões de biossegurança como dificuldades
ao avanço da biotecnologia”.
“A razão colocada em jogo na CTNBio”, acrescenta, “é a racionalidade do
mercado” e que impede a priorização da biossegurança e a perspectiva da
tecnologia em favor da qualidade da vida, da saúde e do meio ambiente.
Não há argumentos que mobilizem essa racionalidade cristalizada como a
única “verdade científica”.
A cientista, que relatou o pedido de liberação comercial da vacina
contra a doença suína de Aujeski, revela que “os únicos quatro votos
contra a liberação não seriam suficientes para a sua rejeição. No
entanto, o fato de não se ter 18 votos favoráveis impediu a sua
aprovação, e este fato foi utilizado amplamente para justificar a
redução de quorum de 2/3 para maioria simples nas votações de liberação
comercial de transgênicos. O parecer contrário trouxe uma série de
argumentos que sequer foram observados por aqueles que já tinham
decidido votar em favor de sua liberação.”!
Esta vacina está no mercado internacional há 15 anos e só é
comercializada em cinco países, nenhum da Comunidade Européia, sendo
extremamente contra-indicada na vigilância sanitária de suínos, frente
aos riscos de contrair a doença de Aujeski.
Última etapa
A palavra final para a liberação do milho Bt, da Bayer, será
pronunciada em conformidade à Lei 11.105/ 2005, pelo Conselho Nacional
de Biossegurança, integrado por 11 ministros sob a presidência da Chefe
da Casa Civil, Dilma Roussef. Será que algum desses figurões tem mais
conhecimento técnico que a doutora Lia Giraldo, 31 anos de serviço
público nesta área?
O milho da Bayer é resistente ao herbicida glufosinato de amônio. Isto
quer dizer que qualquer cultura na qual esse herbicida for aplicado só
o milho da Bayer subsistirá, assegurando-se, assim, gigantesco mercado
para as sementes Bt alemãs. Na União Européia, a Autoridade para
Segurança Alimentar fez testes apontando que alta dosagem de
glufosinato tem efeitos negativos sobre a fertilidade feminina. Lá,
onde fica a sede da Bayer, o milho (que ela produz), LibertyLink, é proibido.
Cinco países da União Européia — Áustria, Alemanha, França, Grécia e
Luxemburgo — mantêm há dois anos proibição ao milho e à canola
transgênicos. As corporações fabricantes de sementes geneticamente
modificadas, Monsanto, Syngenta AG e Bayer AG, tentaram, mas não
conseguiram obter acesso mais amplo para esses produtos, em função do
receio de que esses alimentos — aprovados em toda a UE na década de
1990 — representem riscos à saúde da população.