A dengue é apenas a ponta do iceberg

De um maldito e previsível iceberg maior e mais daninho do que aquele que afundou o Titanic. Lamentavelmente, muito mais problemas de saúde pública nos ameaçam podendo emergir a qualquer minuto. Estou me referindo às zoonoses emergentes e re-emergentes como a tuberculose que envergonha um país que se pretende civilizado.

A "bíblia" das zoonoses é o livro "Zoonosis y enfermedades transmissibles comunes al hombre y a los animales", de autoria de Pedro N. Acha e Boris Szyfres, editado pela Organização Pan-Americana de Saúde e escrito em espanhol. Esse trabalho tem quase 1000 páginas, o que já dá uma idéia da dimensão e da complexidade desse capítulo da saúde pública / medicina veterinária. 

A desproporção entre a dimensão dos problemas potenciais e a corrupção, a demagogia, a imprevisão e a incapacidade dos nossos governantes, de todos os níveis e esferas, é gritante. Gritante, preocupante e criminosa.  Vivemos numa bolha de aparente prosperidade econômica mas incapaz de nos proteger das doenças típicas de um Terceiro Mundo, ignorante, pobre e emporcalhado pelas valas negras, pelo esgoto, pelas águas e alimentos contaminados pelos lixões, pela falta de cultura e de educação.

Mantemos nossa exportação de carne sob o risco permanente da febre aftosa e a população do abate clandestino às portas dos governadores e prefeitos. E de nada adiantam as verbas e as "heróicas" providências emergenciais. O que é preciso, todos nós sabemos: planejamento, continuidade, espírito público, decisão política, coragem, eficiência, profissionalismo, gerência, estímulo, fiscalização e punição dos infratores, dos corruptos e dos corruptores.

E não nos faltam exemplos de que isso é possível. Não nos faltam exemplos de competência.  Somos um país que, no campo da educação, produziu um Anísio Teixeira, baiano de Caititê, (1900 - 1971) que, aos 24 anos já era Inspetor - Geral de Ensino do estado da Bahia e aos 31, Secretário de Educação do Rio de Janeiro quando criou uma rede completa de ensino que ia do curso primário até a universidade. Trata-se de um educador de renome internacional e o primeiro a conceber a Universidade de Brasília, idéia concretizada por seu seguidor, o antropólogo, escritor, membro da ABL e político Darcy Ribeiro, mineiro de Montes Claros (1922 - 1997), criador dos CIEPS, idéia utópica que não encontrou, entre os políticos, gente com visão e capacidade para manter e desenvolver, o que é apenas mais um exemplo de descontinuidade administrativa.

No campo da agricultura, tivemos o exemplo do eficientíssimo Luiz Fernando Cirne Lima, ministro da pasta entre 1972 e 1979, que realizou uma administração magistral, de grande visão e que, entre outras realizações importantes, criou a Embrapa a maior responsável pelo progresso da nossa agropecuária.

No campo da saúde pública, tivemos o grande Oswaldo Cruz (1872 - 1917), médico, pesquisador, bacteriologista, epidemiologista e sanitarista que estudou no Instituto Pasteur, em Paris, e que fundou o instituto que leva o seu nome e é internacionalmente reconhecido. Combateu um surto de peste bubônica, em Santos e coordenou campanhas para a erradicação da febre amarela e da varíola.

Conseguiu que o presidente Rodrigues Alves assinasse um decreto tornando a vacinação obrigatória.

O fato é que gente, patriota, competente, solidária e disposta a trabalhar não nos falta. Lamentavelmente, o que vem faltando há tempos - com as exceções de praxe, naturalmente - são dirigentes políticos mais interessados na saúde e no bem estar do povo do que nos seus próprios salários, nos seus cartões corporativos, nas suas mordomias, nas nomeações dos seus parente e amigos, nas viagens internacionais às nossas custas, nas concessões  de estações de rádio e de TV, nos créditos privilegiados das instituições oficiais, nas comissões das empreiteiras, nas caronas nos jatinhos particulares, nos almoços e jantares regados a vinhos de safras especiais, nos seus banhos de piscina no meio do expediente, e....eventualmente nas suas namoradinhas com status de capa de revista masculina. Infelizmente, repito, a dengue é apenas a ponta do iceberg.

Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio de Janeiro

 

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