Reforma Agrária

Negócios de bandidos e os interesses do povo

Ana Lúcia Nunes
Publicado originalmente no jornal A Nova Democracia

O Plano Nacional de Reforma Agrária lançado pela gerência FMI-PT, em 2003, afirmava que até 2007, 400 mil famílias camponesas estariam "assentadas". Ainda na campanha de 2002, Luís Inácio afirmou que em todo o seu governo, se pudesse fazer apenas uma coisa, seria a reforma agrária.

São pífios os resultados. Apenas 245.061 mil famílias haviam sido assentadas até 20051. E mesmo a promessa de assentar 400 mil famílias pode ser considerada uma cifra irrisória, quando existe em torno de 15 milhões de trabalhadores (1) que não possuem nenhuma terra, mas que sobrevivem do campo, ou seja, são empregados, parceiros ou arrendatários. Isto sem contabilizar as milhares de famílias camponesas que se amontoam nas favelas e bairros periféricos das grandes e pequenas cidades do país. Atualmente, mais de 230 mil famílias (ou 1 milhão de pessoas) (2) estão em luta pela terra, nos chamados acampamentos, espalhados por todo o Brasil.

Em todos os seus discursos, Luiz Inácio fazia questão de afirmar que a reforma agrária e a agricultura familiar eram prioridades em seu governo. Cabe então analisar os dados. O tão alardeado programa Luz para todos , segundo dados do Incra (3) , provavelmente inflados, afirma que 75 mil famílias foram beneficiadas pelo programa. O abastecimento de água atingiu pouco mais de 3 mil famílias. Os créditos destinados à agricultura “familiar” pelo Plano Agrícola e Agropecuário da safra 2006/ 2007 totalizam 10 milhões de reais.

A agroembromação

Antes é importante explicar o que é agronegócio. De acordo com Bernardo Mançano Fernandes, professor da Unesp e pesquisador do Núcleo de Estudos da Reforma Agrária, o agronegócio foi uma palavra criada na década de 90 para tentar mudar a imagem latifundista da “agricultura”. Bernardo afirma que o latifúndio “moderno” carrega a imagem da exploração, do trabalho escravo e da extrema concentração da terra. Para ele, não se trata de um modelo novo, já que a origem remonta ao sistema plantation , onde grandes propriedades eram utilizadas para monocultura voltada para exportação. O pesquisador argumenta que o agronegócio foi construído buscando renovar a imagem desse tipo de agricultura, tentando modernizá-la na aparência. O objetivo seria ocultar o caráter concentrador, predador, expropriatório para dar relevância somente ao caráter produtivista, destacando o aumento da produção. Para o professor, apesar da tentativa o agronegócio não pode esconder o que está na sua raiz e na sua lógica: a concentração e a exploração.

Bernardo Mançano alerta ainda para o fato de que o agronegócio é um novo tipo de latifúndio e ainda mais amplo. Agora não concentra e domina apenas a terra, mas também a tecnologia de produção e as políticas de desenvolvimento. Segundo ele, outra construção ideológica do agronegócio é convencer a todos de que é responsável pela totalidade da produção da agropecuária. Ele também refuta essa teoria, afirmando que toda vez que a imprensa burguesa informa os resultados das safras credita toda a produção na conta do agronegócio, quando a agricultura camponesa é responsável por mais da metade da produção do campo — com exceção da soja, cana e laranja — e nem sequer é citada.

Luiz Inácio, o gerente da vez, também afirmava em seus pronunciamentos enfadonhos que, além do espaço da reforma agrária e da “agricultura familiar”, deveria haver espaço para o agronegócio. Mais uma vez cabe analisar os dados. O Plano Agrícola e Agropecuário da safra 2006/2007 destinará R$ 50 milhões para o latifúndio de nova imagem, o agronegócio. Segundo este plano, cada produtor de soja poderá ter um crédito de até R$ 300 mil. O mesmo plano faz um balanço das atividades governamentais de estímulo ao agronegócio. Na safra 2005/ 2006, além dos R$35 bilhões iniciais, este tipo de latifúndio recebeu uma “alocação adicional para sustentar o preço da soja ao produtor” de R$1 bilhão.

É importante frisar: este montante foi destinado somente aos produtores de soja. Outra medida adotada foi a prorrogação automática —isto mesmo, automática!— das dívidas dos produtores de algodão, arroz, milho, soja, sorgo ou trigo através da Resolução Bacen nº 3.364, de 26/4/06.

Pelos dados do próprio governo, é perceptível a política de beneficiamento do sistema la tifundiário. Ele afirmava que deveria haver espaço para o agronegócio, e os dados demonstram que só há espaço para ele. É esta a reforma agrária do cartel oportunista que se intitu-la governo brasileiro. Pouca terra e crédito para os camponeses e todos os benefícios para o latifúndio.

E esta política seguirá se aprofundando no segundo mandato. O plano de governo apresentado durante a campanha eleitoral mal fala de reforma agrária e quando o faz é taxativo: “Para que o modelo seja sustentável [?] será necessário prosseguir combinando a reforma agrária, o apoio à agricultura familiar e o incentivo ao agronegócio” .

A combinação de apoio à reforma agrária concomitante ao latifúndio apregoada pela gerência FMI-PT ocorre:

1. através da capitalização dos latifundiários, com a compra das terras;

2. fornecimento de mão de obra farta e barata dos camponeses em áreas de acampamento e assentamento;

3. endividamento e ruína dos camponeses “assentados”, abrindo espaço para que suas terras sejam arrendadas ou vendidas a valores irrisórios aos grandes latifundiários.

Camponeses libertam

Enquanto o cartel oportunista continua beneficiando os grandes burgueses e latifundiários, os camponeses seguem se organizando para destruir este sistema atrasado. A própria Comissão Pastoral da Terra CPT, afirma que em 2005 ocorreram 437 novas ocupações de terra em todo o país, envolvendo mais de 5 mil famílias camponesas.

A violência do latifúndio também avançou. Foram 156 assassinatos nos três primeiros anos da gerência FMI-PT, contabilizados pela CPT. As denúncias de torturas, agressões e pistolagens são constantes em todas as áreas onde existe a disputa das terras entre camponeses por um lado, com latifundiários e grileiros por outro. Todavia, nenhuma violência cometida pelo latifúndio e pela polícia tem sido capaz de deter a fúria revolucionária de milhares de famílias camponesas em busca de pão, terra e justiça.

O Triângulo Mineiro é uma das regiões brasileiras com maior número de famílias em ocupações de terras. O movimento camponês na região cresce enfrentando toda a fúria dos latifundiários e da União Democrática Ruralista UDR, que controla inclusive sindicatos de trabalhadores rurais da região. Mas não há violência que possa impedir os camponeses de lutar por um pedaço de chão, de ocuparem cada vez mais os latifúndios, já que nas cidades somente a miséria, a fome, o desemprego e a vil exploração de sua força de trabalho lhes é oferecida.

Foi com esse espírito de luta que 100 camponeses organizados pelo Comitê de Defesa da Revolução Agrária ocuparam, na madrugada do dia 15 de dezembro, o latifúndio denominado Fazenda Douradinho, em Prata (MG).

A Liga dos Camponeses Pobres informou que o latifúndio se localiza a 40 Km da cidade de Prata, na entrada do Km 89. O latifúndio tem cerca de 2 mil hectares e passava como propriedade de João Luiz de Melo. De acordo com o movimento, a área foi sendo adquirida aos poucos, através da pressão econômica sobre pequenos e médios proprietários endividados. A área estava praticamente abandonada, a não ser por umas poucas cabeças de gado e pelo funcionamento de uma carvoaria ilegal.

O suposto proprietário possui outras 21 “fazendas”, quase todas abandonadas. Na cidade, a população comenta que o latifundiário, também dono de um laticínio, é um inveterado colecionador de terras.

As famílias que ocuparam a Douradinho são, em grande maioria, camponeses que vendiam sua força de trabalho para latifúndios e médias propriedades da região: carroceiros, safristas (trabalham apenas na colheita da laranja) e operários de origem camponesa. São famílias que viviam nas periferias de Prata, Uberlândia, Campina Verde e Ituiutaba, que por não conseguirem emprego e uma vida digna na cidade acabaram se organizando para garantir um pedaço de chão.

Bandidos acossam

Desde o primeiro dia na área, os camponeses foram alvo de diversas tentativas de intimidação por parte dos latifundiários que usaram a Polícia Militar. Segundo os camponeses, a PM foi até a área acompanhada de um suposto parente do latifundiário que tentou intimidá-los.

No dia 22 de dezembro de 2006, dois homens se dirigiram à área, um deles afirmando ser juiz de Uberlândia, quando fizeram agressões verbais aos camponeses e à Liga dos Camponeses Pobres. O suposto juiz afirmou ainda que os camponeses teriam até o dia 10 de janeiro para deixar a área, que a Vara Agrária de Belo Horizonte (responsável por conflitos envolvendo a questão agrária) não mandava ali e anunciaram que as vias de acesso ao acampamento seriam bloqueadas para a entrada de alimentos. A partir deste dia, vários jagunços se instalaram nas imediações, fechando as estradas que levavam à área. Os jagunços, de acordo com as informações dos camponeses, portavam armas de diversos calibres, fizeram ameaças de morte e disparavam para o alto.

No dia 11 de janeiro, a PM dirigiu-se novamente à área, na viatura placa GVB 6706, na qual estavam os PMs cabo Moraes e soldado Frederico Magalhães, outras pessoas identificadas como parentes do latifundiário e dois homens, um apresentado pela PM como juiz, outro como representante do Incra. Sob a insistência dos camponeses a PM afirmou que o tal juiz era, na verdade, João Luiz Correa, mediador arbitral trabalhista de Uberlândia — o mesmo que já havia aparecido na área anteriormente — e o outro era João Luiz Finotti, técnico agrimensor, supostamente lotado no INCRA.

Após o pedido de reintegração de posse, efetuado pelo latifundiário, no dia 3 de janeiro, a estrada foi desobstruída. Todavia os jagunços ainda rondam o acampamento à noite.

Os camponeses receberam o apoio de estudantes, professores e Advogados do Povo, que encaminharam denúncias das agressões por eles sofridas a vários órgãos e organizações civis de direitos humanos. A Polícia Militar chegou a deter dois estudantes por algumas horas na delegacia de Prata por distribuírem panfletos na cidade em apoio à luta camponesa.

Não é reforma

Uma prova de que os camponeses têm enfrentado com audácia a violência do latifúndio é que, em menos de um mês na área já começaram a plantar. Estão plantando milho, mandioca, banana e uma horta. Uma terra onde o latifúndio foi escorraçado, torna-se terra fecunda em mãos camponesas. Essa é a grande diferença entre latifundiários e camponeses.

Estes camponeses não ficam à mercê da regularização da terra pelo governo, já que ela demora anos. Também não esperaram os minguados créditos para a “agricultura familiar”. Eles são taxativos, explicam que não lhes serve a reforma agrária do governo. Eles não precisam dela. Os dados e a história já demonstraram que ela não vai resolver o problema da terra no Brasil. Estão construindo com suas próprias mãos o que chamam de Revolução Agrária. Entram para a terra, expulsam o latifúndio e as relações semifeudais, plantando e se organizando em grupos de ajuda mútua; constroem suas Assembléias Populares, onde tudo discutem e decidem; pressionam o Estado para reconhecer a posse de suas terras, além de defendê-la e a si próprios das investidas dos latifundiários, de seus jagunços e da polícia.

1 Dados do censo agropecuário do IBGE 1995-1996 que contabilizou 17.930. 890 pessoas ocupadas na produção agrícola, das quais 3.604.343 eram proprietárias, ou seja, 14.326.447 eram apenas empregados ou se inseriam em outros tipos de relações de produção semifeudais (parceiro, arrendatário, meeiro).

2 Dados do balanço 2003-2005 do Incra.

3 Folha de São Paulo, 30/05/2006.

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