O Cotonete Azul e A Nova Democracia

José Milbs de Lacerda Gama

Uma viagem ao redor da mente. 
Saber de sua abertura e existência... 
Olhar o velho mundo se distanciar. 
Saber do belo ... 
Ouvir a voz do vento... 
O murmúrio do passarinho... 
Viver. 
Saber da vida... 
(José Milbs)

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Vagando nas noites nos canais do Mirc, indo, quase como um navegante errante por portos desconhecidos, aportei em cidades que nunca imaginaria ir e onde conheci centenas de pessoas que no anônimo de suas teclas foram se tornando amigos e, muitos ate confidentes. A vida virtual, quando você se torna conhecido e esperado estar on-line, se transforma em locais de encontro como se houvesse uma forte maneira de trazer a baila às saudades de dias anteriores que ficaram gravados no éter das memórias dos computadores e dos micros espalhados por este mundo afora.

Rio de Janeiro, Limeira, Manaus, Itaituba, Belém, Rondônia, Garanhues ficam sendo viagens que a gente faz como se tivesse ido a esquina ou ao quintal. As amizades de multiplicam na formatação de pessoas e idéias onde não existe a deletação e, as fixações das teclas, voltam e se cristalizam na fortificação de amizades eternizadas pelo afeto.

Embora exista a rapidez da comunicação, as amizades demoram. Elas fazem parte de um trabalho minucioso de fatores que começam nas verdades existentes de ambos os lados até que, formado o elo da confiança deixar-se levar até ao ponto de fornecimento de e-mails, números de telefones e acionamento em listas de amigos no msn e orkut.

Este período de experimentação de valores verdadeiros, em frases havidas, é que irá possibilitar que a confiança seja mútua e daí se possa aquilatar a afetividade que começa a ter sentido no maravilhoso mundo da virtualidade. Por se tratar de um mundo novo, onde a perspectiva de assimilação pela sociedade de consumo obriga a uma forte presença nas teclas, dificilmente a absorção terá acontecência e por isso mais oculto ficará para seus braços e asseclas.

A virtualidade derruba as barreiras e a censura existente nas mentes humanas por seguidos anos de repressão e civilização diferenciada do real. Enquanto na psicanálise, psiquiatria, sociologia e religiosidade a busca dos entendimentos de amarguras e aflições humanas, tem como objetivo maior a busca do lucro financeiro ou mesmo social, a virtualidade, que coloca frente a frente duas mentes diferentes rebate este fim e daí já se consolida na busca da confiança mútua existente.

Assim como os olhos no mundo real e as reações faciais e a fala levam o ser analisado e o analista a obtenção de normas para um diagnóstico ou busca de reações, no virtual os olhos são refletidos nas pontas dos dedos e nas mentes que os move de maneira que as falas e deduções passam por uma energia nova e que só quem esta teclando pode sentir.

As energias e as verdades ocultas e que nunca são ditas nas analises, são digitadas de forma suave e delicada expondo, as partes envolvidas, numa névoa de confiança e prazer.

O ego se vê tomado pelo superego e o id atua de forma tão suave que não dá lugar as idiossincrasias que tanto dinheiro dá aos que se dedicam a esta busca psicanalítica.

Os sentidos que habitam a região da mente, navegam e são navegados sem que haja a tapa da censura ou o empurrão do carinho negado. As teclas fazem das duas mentes um canal de harmoniosas fontes que saem da escuridão para a leveza da confiança despertada.

Não precisa ter idades. Dos 13 aos 70 anos todos são portadores das belezas desta abertura, que faz do virtual, um mundo mesmo novo e de estradas iluminadas e abertas.

Enquanto na psiquiatria, psicologia e sociologia a busca do entender tem como meta o capital e a sobrevivência do que analisa, na virtualidade este objetivo esbarra na gratuidade. Sexualidade reprimida, amargura da relação real a dois, falta de atenção de pais e filhos são expostos sem que seja preciso a busca em troca da matéria e do lucro.

Aprendi a sacar, nas teclas, as energias dos dedos de quem está teclando. Sinto quando estou diante de uma pessoa bruta, desconfiada, repressora, maldosa, bondosa e se está com a sexualidade aflorada ou reprimida.

Daí o grande grau de sensibilidade que se desperta ao usar o micro para entender as mentes humanas sofridas, maltratadas e olhadas com desdém pelo famigerado e ultrapassado mundo real.

A sociedade de consumo tenta, de todas as formas absorver esta nova visão do futuro . Assim como seus asseclas, braços do sistema, fizeram com o Movimento Hippies e a Contra-Cultura dos anos 70 que até virou grife de butique e enredo para tele novelas, eles tentam o mesmo se fazendo de entendidos na linguagem usada no virtual. Fazem isso, descaradmente e na forma mais vil possível. Repetem a linguagem de meninas e meninos que descobriram forma mais rápida do entendimento das coisas e já estão fazendo seu humor barato em seus braços e seguidores, via televisão, radio e jornais comprometidos. Esquecem, no entanto, que não é só a linguagem resumida que existe neste lindo mundo novo. Existe uma forte integração de almas.

Para entender esta integração de Almas tem que teclar, teclar, teclar...

‘Por detrás de uma menina de 13 anos tem uma futura mulher que não quer ser massificada pelo sexo vulgar das novelas das 8. Existem meninos que não querem apenas ser mais um ronaldinho débil de nossos campos de esportes. Valorização dos conhecimentos e não a cultura do belo/branco ou do belo/negro imbu tidos no sistema cruel que nega o direito e promove a sexualidade e a busca do dinheiro fácil como meta a ser a alcançada.

Adolescentes de 15 anos não buscam a perfeição no belo das modelos que trocam de parceiros como se troca de calcinha. Existe algo muito lindo nas mentes destas meninas e meninos que a globalização massificada tenta impor “goela a dentro” fazendo crer a uma geração inteira que o bonito e fazer tudo que “o mestre mandar” num cenário de triste futuro para quem esta nascendo hoje. A menina/mulher de 17 anos , 18 , 19 e 20 ainda não entendeu o porquê de tantos olhares masculinos para seu corpo. Muitas separadas sem nunca ter sentido o verdadeiro orgasmo e quando busca a resposta nas profissões que mexem com a sexualidade e a mente humana, voltam decepcionadas por mais uma cantada vulgar e sem amor.

Mulheres abandonadas na cama por falsos companheiros e que, no misterioso mundo virtual conseguem ouvir uma tênua explicação de suas carências e amarguras e que, conseqüentemente vai de encontro com a tristeza a amargura de seus filhos .

Esta cadeia de mágoas e decepções humanas chega no virtual. Quando encontram a beleza de uma amizade e a sutileza de um teclar, puramente voltado para o amor, tudo de abre como um rio que, caudaloso e lindo, estava represado e triste.

Assim, o mundo virtual, oferece a gratuidade que o real não dá, com profissionais, fruto de um sistema cruel, apenas visando o lucro e o imediatismo da relação. Quantos homens de sexualidade enrustida, voyers, gay, e mulheres na mesma e que no real jamais revelariam suas opções, o fazem no belo momento em que é tocado pela confiança mútua nascida nas teclas que varam noites e noites?

Jamais o sistema cruel que, capitalizou o Cristianismo, que avacalhou com a pureza da Paz e Amor do Movimento Hippies, que fez da Contra Cultura teses de doutorando, que bagunçou com a sexualidade de minha geração, de meus filhos e de meus netos com exposição explicita de suas psicopatias, repito, jamais entenderá e exporá ao ridículo as descobertas sensitivas do mundo virtual.

As descobertas do sensitivo do Maravilhoso Mundo Virtual estão nos dedos que teclam e não nos livros vendidos nas livrarias. Daí o grande segredo do cientista que descobriu esta vertente na alma humana. È o “pulo do gato” que nem o Bill Bates conseguirá deter. È a marcha inexorável para a socialização do mundo que o virtual nos propõe.

Até porque, sendo gratuito as transmutações que as teclas levam e trazem, não terá seu desejo aflorado. E, se não bastasse esta gratuidade, teria que passar anos e anos teclando e teclando ate que seja formado conhecimento devido para merecer a confiança e o amor que a virtualidade favorece e formata. A ferramenta do virtual, seu arquivo e exibição de seus segredos esta debilitado definitivamente na vontade deste real cruel.

Como diria uma menina, ao saber destas memórias: Meus Documentos eles jamais lerão, e os deles, eu já li e reli. Esta e outras belezas retratando nesta crônica me fazem sentir mais leve na leveza que os dedos formatam meus textos e parágrafos. Se erros os leitores encontrarem ficam por conta de minha pouca escolaridade. Deixei as faculdades todas pela metade e me considero doutor na Universidade da Vida, das ruas empoeiradas que pisei e vivi...

Viajar por mundos e estradas, onde as esquinas e as encruzilhadas nos levam a lugares inimagináveis faz parte de pensamentos e sonhos que todos nós temos. Quer conhecendo por meio de ida e vindas ou até mesmo através dos olhares atentos aos linkes que nos são expostos toda hora me que nos defrontamos com as coisas que a tecnologia nos impõe. Viajar por entre os mistérios das mentes humanas, suas loucuras e suas falas que o falo nunca consegue vencer também é uma viagem.

Nesta os meios são os mais diversificados e esquisitos. Vemos e revemos espelhos, olhamos e vemos espelhos com outras sombras nos fazendo ver além dela e temos a sensação que a vida não se resume apenas nas coisas palpáveis e que nos ensinaram ser o real.

Antes mesmo de sentir o balançar das imagens turvas de nosso inconsciente elas não eram turvas ao chegar a este misterioso patamar da mente. Como uma água de uma nascente, como a que tenho no final do sitio, esta água se turva não só pelos dejetos colocados pelas multinacionais que me cercam a casa, a mente que viajo e danço no seu compasso, também se turvou ao primeiro impedimento de deliciar-se no seio materno após o mamar. Morder o seio materno, com o primeiro dentinho que brota e receber a tapinha de um “não” já domesticaliza a interioridade de forma a iniciar daí toda a “turbulência” da vida que se começa a ter.

Fazer uma pausa dentro das misteriosas ruas deste canal escuro já objetivou centenas de escritores e mestres em filosofia. Olhar neste espelho até com as sombras remetidas em outras sombras no formato de uma espiral seria mais objetiva que olhar nele apenas no real que se vê.

Centenas de sombras, como sendo milhares de ruas, vielas, cidades, gente e logradouros. Passando por entre sonhos havidos e sonhos perdidos no tempo e no espaço entre uma sombra e outra faz com que, as correrias do passado vivido, se tornem lenta na medida em que se avança na compreensão final deste misterioso mundo das imagens mentais.

Assim como os Poetas conseguem trazer a beleza de seu imaginário nas profundezas azuis das ondas do mar, fazendo colorir de belas cores milhares de pontos obscuros no universo, assim também, a viagem dentro do mistério de uma mente nos faz ver a beleza, embora às vezes na escuridão, de milhares de ruas e vielas na perdida objetividade que se propõe.

O mesmo encantamento que o Escritor consegue ver nas borboletas que, dançam ao som do vento que a chuva fina faz harmonizar-se, se faz presente ao abrir o escuro mundo da mente outrora nunca tocado. É como o espanto da virgem aos desejos pedidos e aos toques sentidos.

São duas diferenças num só desejo mais que se torna uno na essência do prazer querido.

ABRE-SE O ESCANINHO ESCURO DA MENTE

Às escuras e misteriosas ruas estão sendo abertas . Onde nunca tinha havido o que denominou se chamar de luz nunca tinha sido penetrado. Olhos que não enxergavam. Não que não tivessem olhos. O desuso fez com eles não fosse acionado. Braços, pernas, boca, pênis, estomago, muitos outros órgãos estamos no escuro misterioso do uso diferenciado.

Onde havia uso este apenas estava, como que num sono, esperando ser despertado. Dizer que este sono era eternidade seria negar a dualidade de sua vida. Dormia apenas. Como um gêmeo preguiçoso que não queria ter o trabalho que o outro fazia sem se incomodar em fazê-lo. O despertamento era algo novo neste mistério que habita a escuridão.Os olhares, por de cima, dava nitidez a esta escuridão como se ela estivesse sendo apenas um ponto apagado num universo de luzes e encantamentos.


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