A insatisfação real refletida no espelho na contemporaneidade.

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A insatisfação real refletida no espelho na contemporaneidade, hoje, repleta de imagens alienantes postas à disposição por uma "cultura" empobrecida conduz o indivíduo à busca do outro como referência, afinal, quem somos na contemporaneidade?

Como ficamos frente aos nossos desejos continuamente negados? Para onde deslocamos essa negação e por que o fazemos?

Esses questionamentos quando colocados a disposição da sociedade recebem suave aprovação, e, ao mesmo tempo repúdio, pois, adentram naquilo que tanto desejamos compreender em meio aos medos impostos por nosso contundente silêncio, como também, na galhofaria barata da sociedade contemporânea são sufocadas pelas histriônicas manifestações onde o singular perde-se em meio ao coletivo na busca de uma imagem desejada, idealizada obsessivamente extraindo do corpo a possibilidade do contato com o prazer repudiando-o tiranamente, estabelecendo, para com o mesmo, uma relação de desprezo e crueldade na ineficaz tentativa em privar-se das metas pulsionais.

Ao nos referirmos à anorexia, temos o afastamento da auto-imagem contemplativa como forma em negar a si mesmo, pois, apreciar-se consistiria em sentir o corpo como estrutura desencadeante de satisfação das pulsões, do prazer e negar-se requer ter como base referencial comparações aos corpos do outros, buscando na imagem das figuras alheias projetados no lago da miséria contemporânea uma devolução distorcida a efígie cujo propósito é a rejeição que desencadeará uma ritualização onde se encontram mobilizados sentimentos de ódio, inconscientemente, direcionado aos outros, mas catexizando-o como forma em negar esse sentimento protegendo-se da repulsa a si mesmo. A impulsividade é bem observável nos indivíduos que apresentam condutas alimentares limitantes, afinal, os mesmos, em meio às restritas representações cerceiam possibilidades vivenciais, obliterando, dessa maneira, experiências e desencadeando expressões empobrecidas quanto a manifestação dos sentimentos, restringindo assim as emoções, pois, sentir-se, impõem um grande risco a aceitação da mulher que urge num corpo que recusa transformar-se ou experimentar a mobilização pulsional deslocada para a sexualidade, impedindo dessa forma desfruta-la. Seria a tentativa em estabelecer uma aliança com a pureza, com a santidade através da castidade não se permitindo viver a sexualidade como fonte de prazer, plena satisfação e aceitação da sensualidade que é presente na feminilidade, estando tais condições enlaçadas a rebelar-se inconscientemente contra a figura feminina desestruturando o desejo .

Lacan, ao apresentar no XVI congresso Internacional de Psicanálise em Zurique, em 17 de junho de 1949, "O Estagio do Espelho" considera-o próprio do eu do infat  definindo que esse estado permite ter uma imagem integrada de si mesma e que resulta da internalização da imagem integrada  que  o  outro, a mãe , oferece-lhe.

Em pessoas com limitações alimentares torna-se evidente a total dependência do espelho e procuram sem êxito aprovação deparando-se com a devolução de uma imagem desagradável, que transforma-se  na desaprovação a si aproximando-as de uma profunda angústia em virtude da inaceitação da imagem estética observada diante do espelho. Segundo Persano, 2005, há nesse momento uma ativação de uma relação muito primitiva entre a menina e sua mãe, marcada pela desilusão de mãe frente ao seu bebê, gerando uma imagem especular cruel dos objetos parentais arcaicos nos ideais de ego.Tal identificação é responsável pelos maus tratos impostos ao próprio corpo, como se o mesmo lhe fosse alheio.          

No plano psicossomático evidencia-se a tentativa em manter-se "pura", negando assim, o desejo e execrando a sexualidade sendo uma das respostas evidenciadas na amenorréia, onde o corpo apresenta níveis baixos de secreção de estrógenos e uma redução da secreção hormonal. Hormônio Folículo-Estimulante (FSH) e Hormônio Luteinizante pela pituitária.

Já em pré-púberes a menarca pode ser retardada, refletindo assim a recusa da passagem da menina para mulher.

 

Marcus Antônio Britto de Fleury Junior. 
Psicólogo especialista em psicossomática.