Violência: CANSEI DE PROTESTOS MORNOS

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Esta semana vou escrever algo sobre a violência, este ente a quem já fazemos concessões, até um determinado ponto de normalidade. Normalidade? Bem, a Violência é um nome próprio já a bastante tempo. Já habituamos a ela as nossas reacções e o nosso discurso. No Rio de Janeiro – apenas para utilizar um exemplo de grande cidade onde ela se encontra instalada – todos, das lideranças políticas e empresariais até ao cidadão mais jovem, já se encontram no campo da autodefesa contra ela. Um brasileiro já nasce se defendendo, já nasce esperto, desde que nasce nunca mais dorme com os dois olhos de um vez. Tem o seu charme. Vista de fora, a violência até já tem um certo charme e oferece uma dose exótica de adrenalina. Nunca consegui ouvir, de um europeu jovem – e converso sempre sobre o Brasil com muita gente – que não iria ao Brasil por causa da violência, de que sabem pela imprensa e pela Internet. Abaixo dos 40, o fascínio pelo Brasil é quase uma unanimidade, mesmo para aqueles que já estiveram indirectamente envolvidos em algum episódio violento, através de um amigo ou parente. Que seria de New York sem os guetos e a violência que alimenta a temática dos filmes?

A violência já faz parte da paisagem brasileira, é uma constatação. A imagem negativa criada pelo noticiário afasta o investimento estrangeiro – em algumas áreas, noutras muito pelo contrário. A violência cresce e se afirma porque há quem ganhe muito com ela. Não se explica em si mesma, não se justifica o descaso em preveni-la e puni-la, mas já faz parte. Povo e governo, bandidos e vítimas, todos a consideram como da família. Dela ninguém se afasta, ninguém foge, a não ser quando o sangue já derrama. Os indignados, as vítimas, os conscientes e engajados se organizam e protestam contra ela, de maneira repetitiva, durante anos. Soltam pombas em manifestações na orla, fazem performances em sacos pretos, destroem montanhas de armas com rolo compressor, criam fantochadas no estilo “Cansei” e isto tem sido válido apenas para que fique claro que a opinião das pessoas é que preferem a paz, viver sem medo, ir e vir livremente, ser bem governadas e bem servidas porque pagam impostos para isso. E votam. Aquilo que todo mundo já sabe bem sabido. As manifestações não apontam caminhos claros, nem novas soluções. E no vácuo desta falta de ideias e acções surgem as milícias, contra as quais também se protesta. Protesto contra os protestos. Cansei dos protestos. Quando alguém protesta, é suposto haver alguém com poder para resolver a nossa causa, alguém que nos verá e será sensível. Se não há, havemos de encontrar maior utilidade para a nossa indignação.

A esquerda brasileira, as instituições humanitárias, a sociedade civil organizada e os simpatizantes das vítimas, tentando ser bem abrangente, têm liderado ano após ano os protestos contra a violência, fomentado estudos que foram postos em prática em raras excepções e isto tanto estando na oposição como estando no poder. A esquerda brasileira em geral e a maioria das pessoas de expressão da esquerda, seus líderes e carismáticos, têm arrastado, ao longo dos anos, toda a discussão sobre a violência para o campo da justificação do crime pelo social. Como se explicar o crime como problema social bastasse e justificasse a incapacidade de combater e controlar a violência instalada. Aquela que atinge os nossos e que não tem charme nenhum. Que mata mais pobres que ricos, que é o principal assunto em todos os jornais – nos sanguinários e agora nos grandes jornais também – que vai além dos episódios emblemáticos que geram mais protestos. A violência, que é crime e não é problema social. A violência que existe porque homens e mulheres violentas estão soltos nas ruas, respaldados por um passado de carências e de falta de oportunidade. E como está demorando a reversão desta mentalidade que se enraizou, pela qual todas as pessoas, com passado de dificuldades, são candidatos a bandido.

Até quando os protestos irão nos consolar a consciência e pronto? Até quando o Rio de Janeiro e o Brasil vão viver de campanhas, movimentos, e de assistir os famosos na TV apelando à “pais”? Não sei, mas como não se perde o vício de um dia para o outro, quero protestar – daqui do meu observatório actual, numa pacata aldeia portuguesa onde os tractores na época da colheita também são violentos, morta de saudade do Rio de Janeiro, mas com um sentimento misto de fascínio e medo – contra uma coisa que li no Globo Online outro dia, salvo engano uma notícia sobre a criação de uma espécie de “bolsa-família” relacionada com a delinquência, anunciada pelo presidente Lula. Não me confundam com ninguém do ruidoso bloco que protesta sobre tudo o que é relacionado com o Lula, eu nem estive no Brasil na abertura dos jogos Pan-americanos. Mas queria sugerir que este assunto de “bolsa-delinquente” – assim se deveria mesmo chamar, se viesse mesmo a existir – fosse discutido até a exaustão. Eu entro neste debate pois não percebi ainda quase nada do que isto será, mas já tenho medo destes programas sociais que servem para abrir precedentes a pessoas violentas. Tenho medo porque sei que as máfias pagam bem melhor do que o Estado. E se enquanto esses programas sociais se desenvolvem, os criminosos ficam soltos a competir livremente com o Estado, os preventores darão com os burros n’água. Gente violenta tem que ser presa. Chega desse marasmo burocrático respaldado na ideia de se “fazer” justiça, de “punir”, de fazer bandido pagar uma “pena justa”. Chega de precedentes para dar tempo à violência para que ela se instale. No Rio de Janeiro, ela já está bem instalada, na sua paisagem cinco estrelas. Tem nome próprio e charme, não como em New York, onde as polícias também competem com o seu charme, e não só nos filmes. Acho bem que todos os bandidos acabem por ir aos tribunais, para serem julgados e condenados. Sou contra a pena de morte, pois perto de uma prisão a sério, morte não é pena, é alívio. Bandido tem que ser preso, não só para “pagar pelo que fez”, mas principalmente para sair das ruas, para não sair pela cidade repetindo os mesmos crimes, reproduzindo a violência, espalhando o medo, pondo em risco a população. Criminoso com antecedente deve esperar julgamento preso, sem prerrogativa. Isto tem que ser feito para se combater eficazmente a violência instalada. E isso nada tem a ver com programas de prevenção à delinquência, não anula a ideia dos tais programas, dependendo de quais sejam e de como sejam executados. Delinquentes ou bandidos, todos tem direito à recuperação, ao arrependimento, à conversão religiosa, à aprender a coreografia do Michael Jackson… mas presos.

Pessoas violentas também têm direito à cura, à saúde, à formação, ao trabalho, a se tornarem produtivas para não servirem apenas como item de despesa ao Estado – têm direitos e obrigações, diga-se – mas dentro da cadeia, até ao fim da pena, sem bónus. Programas de recuperação que possuam brechas que sirvam para financiar a manutenção da violência e que criem precedentes para criminosos andarem à solta, não recuperam ninguém. A violência existe porque há pessoas violentas. As leis não mudam porque as pessoas que escrevem as leis, que as aprovam e as executam, ainda estão preocupadas a mais em justificar socialmente os crimes e a menos em produzir leis severas. O Brasil não prende ou não mantém na cadeia a maioria dos seus criminosos. E a violência existe porque o Estado, que não tem nem como controlar o espaço público pacífico, quer controlar as prisões, que são castelos de muitas máfias. Porque o Governo privatiza tudo no país, mas não privatiza as prisões. A Violência existe porque A Lei é fria e os protestos são mornos.
A Paz seja convosco!