Atire a primeira pedra o brasileiro que nunca falou mal dos argentinos, ou torceu contra os compatriotas de Maradona numa partida de futebol, ou praguejou sobre o famoso poder de sedução dos homens do país vizinho. Atire a primeira pedra, também, o brasileiro que nunca aplaudiu um tango de Piazzola, ou saboreou um alfajor e um sorvete de dulce de leche , ou se emocionou com um texto de Borges. Pois é, a relação entre brazucas e hermanos parece mesmo de amor e ódio. Com uma ressalva: quando se trata de Buenos Aires, tudo são flores.

A capital da Argentina recebeu levas de turistas durante os anos de crise argentina, quando viajava-se para lá a preços de banana. Mas após trocas de presidente, incontáveis planos econômicos e panelaços atrás de panelaços, Buenos Aires parece ter retomado seu brilho de outros tempos. Percebeu que faz sucesso entre os turistas - e que eles são uma boa fonte de renda.

Por isso, resolveu se cuidar: os parques estão preservados, as atrações passam por reformas, há restaurantes super estilosos, lojas descoladíssimas, a rede hoteleira vê a proliferação de cinco estrelas, as casas noturnas estão bombando e a polícia é figurinha fácil pelas ruas. Por lá, come-se bem, dorme-se bem, vive-se bem...e paga-se preços justos. Pelos menos por lá, brasileiros e argentinos convivem (muito) bem, e o português é quase tão falado quanto o espanhol. Vámonos?

Recoleta é o exemplo evidente de que nem tudo que está perdido está perdido. O bairro que nasceu em berço de ouro a aristocracia portenha do século 19 e do começo do 20 morava ali e viu uma juventude transviada descartar copos de cerveja na calçada está de volta. Aos poucos, os restaurantes populares da Praça da Recoleta, quase às moscas, estão deixando o pedaço (rumo a Cañitas, talvez). Quadras dali, a Recova Posadas, centro gastronômico construído, literalmente, embaixo do viaduto, torna-se uma alternativa razoável de alimentação, com direito a exposição de fotografias e música clássica na calçada.

O Buenos Aires Design Center, que estava lotado de restaurantes populares, mudou de perfil, se concentrou no design e melhorou muito. E isso sem mencionar os chiquérrimos restaurantes em hotéis que, aliás, estão entre os melhores da capital. Aí, incluem-se o Bourgogne e o L'Orangerie, do Alvear, o Agraz, do Caesar Park, e o Galani, do Four Seasons. Uma novidade: o La Cabaña um dos clássicos de Buenos Aires acaba de ser reinaugurado na Recoleta pela exclusiva rede Orient-Express, proprietária do famoso Expresso do Oriente. Também a hotelaria dali vem tomando novo fôlego. Depois do Caesar Park e do Four Seasons (ex-Hyatt), alguns hotéis design, caso da rede Loi, surgiram. E um novo projeto de alto luxo já está eriçando o bairro: um cinco estrelas da rede Hyatt no Palácio Durhau, na avenida Alvear. São novos ares na cidade.

Parte "pobre" de Palermo - o maior dos bairros portenhos -, Palermo Viejo não se fazia notar com sua vidinha simples: velhos tomando mate na calçada, ruas sem placa e casas chorizo (geminada e térrea). Nos anos 70, porém, caiu nas graças dos psicanalistas da cidade e se transformou em Villa Freud. Depois de muitos e muitos anos de análise, Palermo Viejo liberou geral e viu suas casinhas coladas se transformarem no maior pólo de criatividade de Buenos Aires. No design - seja de roupas, seja de objetos ou, até, de cozinha -, boa parte do que é novo na cidade vem dali.

Num processo quase esquizofrênico, Palermo Viejo cindiu-se em dois. À esquerda da linha do trem, ele é Palermo Soho. Já à direita dessa linha, ele é Palermo Hollywood, pela proximidade de uma rede local de TV e do fato de sempre ser locação de filmes de publicidade. Em Palermo Soho, geralmente em lojas não identificadas por placa, escondem-se os estilistas vanguardistas e os designers de interiores pós-pós-modernos. Aquela estética que mistura o kitsch e o cult está por toda parte. Já em Palermo Hollywood, se concentram os restaurantes moderníssimos. Aqueles que apresentam cozinhas fusão, com inspiração asiática, base francesa e outras saborosíssimas ladainhas de autor. E que inovam no acolhimento: têm tanto sofás, daqueles em que só se fica confortável largando o corpo para trás, quanto mesas comunitárias para fazer amigos e conquistar pessoas.

Há bem pouco tempo, Las Cañitas, microbairro nascido no meio de uma vizinhança pacata, era o lugar da moda. A calle Baez e as ruas vizinhas mostravam o que havia de novo em balada e gastronomia, sempre com muita gente bonita (aliás, ô povo bonito!). Las Cañitas era alucinante. Dois anos e uma crise depois fizeram-na mudar de jeito. As cozinhas de autor deram lugar a parrillas de segunda categoria e os bares "hypados" foram substituídos por versões com cadeiras de plástico na calçada (e latinha na mão). Declínio total? Não. Aqui e ali, ainda restam alguns recomendáveis.

Outro pedaço, a pouquíssimas quadras dali, roubou seus holofotes, e sua classe: La Imprenta. A calle Migueletes (guarde esse nome) e suas adjacências, bem atrás do Hipódromo Argentino, vêm, lentamente, se transformando em uma espécie de Upper West Side, em Nova York. Suas ruas muito arborizadas, cheias de prédios charmosos, viram surgir butiques interessantes, restaurantes de sabores diferenciados, délis e galerias de arte. O point de La Imprenta é La Cuadra literalmente, a quadra: uma vila coberta, com lojas e galerias dos dois lados e um lounge-café no meio, com música ambiente e revistas. À tardinha, o morador dos arredores pára ali para tomar um trago antes do jantar. Ou chega, despojadamente, para um passeio com os cachorros e um sorvete na Persicco aliás, o melhor de Buenos Aires na atualidade.

Agora eu vos pergunto:

Com tudo isso, vale a pena tanta “picuinha” com nossos hermanitos? Um pouquinho até que vale sim! Não diminui em nada o nosso encanto pela capital mais charmosa das Américas..

Só um segredinho: torci pra Argentina na última copa! 

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