O PRAZER DO NADA

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Uma das frases mais significativas e é difícil dizer quais, pois todas o são, o jornalista Millôr Fernandes afirmava que a televisão tirou as cadeiras do bate papo entre pessoas nas ruas e levou-as para o centro da sala, onde um novo deus pontificava. A televisão.

Que, segundo o mesmo Millôr, “no Brasil já nasceu covarde”.

Espionagem é um tema que tem sido debatido com plena frequência pela mídia de mercado e agora se sabe que o Brasil espionava outros países em busca de informações sobre eventuais ações contra nosso Pais e particularmente a França, por suspeita de sabotagem no lançamento de um foguete na Base de Alcântara.

Há alguns anos atrás um síndico de um prédio, com problemas com alguns moradores de outro prédio, ligou para colega síndico e disse o seguinte: “vamos resolver o problema de autoridade para autoridade”. Virou motivo de galhofa em seu meio.

Registre-se que o outro sindico concordou e marcaram uma reunião de “autoridade para autoridade”.

Uma das razões da mediocridade da classe média brasileira reside justamente no fato de morar caixote em cima caixote e o vizinho de baixo, ou o de cima, ouvir até as intimidades na cama, ou no banheiro. Já rendeu questões judiciais por excesso de ruídos.

É possível morar num desses caixotes por anos a fio sem conhecer a pessoa que mora à sua frente, exceto por um quase ríspido bom dia, ou boa tarde, às vezes boa noite.

Mas todos sabem da vida de todos.

Os avanços tecnológicos, na área da espionagem, sejam de país para país, pessoa para pessoa, são de tal ordem que desapareceu a privacidade.

Há um prazer mórbido em revelar fatos pessoais seja do vizinho, ou do colega de trabalho, o que fez e faz prosperar um tipo de mídia que atrai cada vez mais leitores. Ficam expostas nas bancas de jornais e são os que reúnem o maior número de passantes/leitores.

Via de regra a uma notícia maledicente se segue o “coitada da família”.

Há aquela velha história do macaco que do alto de uma árvore colocava defeito no rabo de todos os outros bichos da floresta, até que um deles resolveu perguntar ao símio, digamos assim, se havia olhado seu próprio rabo no espelho.

O prazer do nada. O fim da privacidade. As elites, de um modo geral, são pródigas em produzir escândalos que fazem o regalo das classes médias e dos pobres de um modo geral.

“E ainda bem que sou pobre, não vivo nessa podridão”.

No caso da classe média já é diferente. Luta heroicamente para atingir o epicentro de um grande escândalo e a partir dai viver os quinze minutos de glória de que falou Andy Wahrol.

Miss praia de Ipanema, vem logo a resposta, miss laje. Bronzeada ao tomar banho de sol na laje do barraco da favela.

E foto estampada nos principais jornais que tratam de edificante assunto, quase sempre de biquíni, na verdade sempre de biquíni e uma bunda maior que ela própria. Traz a expectativa do sucesso, ou traz a glória efêmera da primeira página de um tablóide dedicado a tais fatos.

Que vem sempre, nas páginas internas, com o célebre calendário sobre ator preferido, filme que mais gostou, cantor que faz sua cabeça, o que pensa sobre virgindade, divórcio, aborto, etc e respostas monossilábicas, pois na verdade o que conta é capa e a pose nas fotos internas, realçando os atributos físicos.

Latifundiários perceberam isso e contrataram Regina Duarte, veneranda atriz, para defender o massacre de índios e camponeses sem terra. E ainda de quebra lhe arranjaram uma fazenda e um casamento.

À época das recentes manifestações dos professores do Rio de Janeiro, a GLOBO, sempre ela, hostilizada pela incrível capacidade de mentir e distorcer fatos, colocou três bruxas atrizes para simbolizar a reação negativa, deles, contra supostos vândalos.

Vestidas de preto, caras feias, como se preciso fosse e pronto.

Há um prazer que permeia a todos, no entanto. O da vida alheia.

Ângela Merkel correndo nua por uma praia na Alemanha. Ou miss Melancia se dizendo pronta para estrelar uma novela.

É o prazer do nada, estampado nos tabloides de escândalos e nas telas das tevês, nos inúmeros programas de fofocas.

O depois é simples, correm quase todos para as igrejas para desencapetar e olhar o “irmão” ao lado, que deu menos que ele para o pastor construir sua mansão e comprar suas fazendas.

Fiz uma piscina em casa. Cabem dois no máximo.

É o prazer do nada e não é necessariamente a dissolução dos costumes, que isso é hipocrisia de falso moralismo.

É a covardia da tevê transformando seres humanos em objetos, em “gado marcado, povo feliz”.

“Sai cada noite com um cara, depois posa de moralista”, diz a senhora de cem quilos de hambúrguer e no duro mesmo invejosa com o que “já viu o que está lá dentro?” E vice versa.

Somos sim, seres em dissolução. Futuros zumbis.