O TÉCNICO E O POLÍTICO

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O técnico de um modo geral tem duas formas de leitura de um assunto que lhe é pertinente. Na primeira delas o uso de argumentos para escamotear a realidade. Essa prática muitas vezes vem recheada de provas matemáticas, somadas à necessidade de vender determinado peixe como sendo azul, quando na verdade é amarelo.

A segunda maneira de ler determinado assunto é aquela que se cinge ao assunto, como se não fizesse parte de um todo e assim ignora todo o resto.

A decisão do governo Dilma Roussef de leiloar a administração de quatro aeroportos brasileiros e de financiar as empresas vencedoras da licitação através do BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social – pode ser vista dentro desse viés técnico, nas duas formas de leitura, mas não pode ser ignorada como retrocesso político, já que o fato político é bem maior que o técnico, à medida que se insere num todo.

A leitura técnica, via de regra, é teimosa e ao mesmo tempo um jeito de evitar um debate amplo justificando com “precisão” o injustificável como no caso dos aeroportos.

O presidente do Sindicato Nacional dos Aeroportuários (SINA), Francisco Luís Xavier de Lemos, convida a mídia brasileira a visitar o aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, para que se possa ter uma visão real do que o governo brasileiro fez. Em entrevista que concedeu ao site VIOMUNDO ele afirma que ao privatizar três dos principais aeroportos do Brasil o governo colocou em risco o futuro de todo o sistema no qual os aeroportos mais lucrativos bancavam os deficitários.

E afirma mais, que a mudança da palavra privatização para concessão não muda nada, “nós entendemos que a concessão é uma privatização disfarçada”. A entrevista foi concedida nos dia 11 (onze) de fevereiro.

A Corporação América que administra o aeroporto em Buenos Aires é a mesma que venceu o recente leilão feito pelo governo Dilma. Os investimentos para melhorias foram feitos com dinheiro público, tanto lá, como aqui. Francisco Luís Xavier de Lemos cita em sua entrevista um paralelo para que se possa entender corretamente a decisão do governo federal. A forma que se deu a privatização do setor elétrico no governo de FHC. Igualzinha.

O jeito técnico de ver as coisas atribui desconhecimento de questões técnicas aos críticos da decisão do governo e ignora que o fato é acima de tudo político. O técnico é apenas a visão restrita, ou a justificativa cambeta de uma decisão injustificável em se tratando de um governo do PT, levando em conta a história do partido, mais ainda, as idéias defendidas por Lula e por Dilma em campanha eleitoral.

Perguntado sobre a questão semântica não tinha importância para ele, o presidente do sindicato respondeu assim.

“Não. De forma alguma. Acho que concessão, privatização… quando você entrega ou a responsabilidade ou o patrimônio do estado você está privatizando algo que deveria estar na mão e sob responsabilidade do estado brasileiro”

E mais à frente sobre se considerava que o “Estado brasileiro precisa tocar aeroporto, você considera estratégico?”

Considero, sim. Eu acredito que 85% dos aeroportos do mundo é o estado que administra, por diversos fatores. Apenas 15% está nas mãos da iniciativa privada. Destes 15% que está na mão da iniciativa privada diversos exemplos são negativos. Há realmente alguns aspectos localizados positivos, eu não nego. Mas há principalmente a falta de investimento. Para você ter uma idéia o aeroporto de Ezeiza, aqui do lado, em Buenos Aires, quando foi privatizado… grandes aeronaves como o 747-777 e o 767-400, que pousavam em Guarulhos e seguiam de manhã para Buenos Aires para terminar o vôo, as próprias companhias de seguro das aeronaves começaram a cobrar mais caro, porque fez uma avaliação do aeroporto de Buenos Aires. Depois de privatizado ele não teve os investimentos necessários e conseqüentemente aumentou o risco até de acidente aéreo.

O presidente do sindicato, óbvio, tem familiaridade com o tema, pode ser definido como um conhecedor do assunto, vive o fato, logo é um técnico, só que com a visão política preponderando, pois percebe que o fator técnico é despiste, nada além disso.

Defensores da privatização têm dado ênfase à palavra “concessão” para descaracterizar as críticas e evitado discutir o fato fora dos limites do técnico, exatamente para isso, a velha técnica da direita, de desqualificar o debate. Você coloca um rótulo, seja o de desconhecedor do assunto, dependendo do tamanho da “lealdade cega” ao governo, ou dos cargos ocupados pelo que representa (partido, grupo, etc) e com o rótulo foge do debate real.

Sobre o argumento que a “concessão” retira do Estado um custo e esse pode vir a significar investimentos em saúde, educação, fórmula que foi usada por FHC, Francisco Luís Xavier de Lemos responde assim.

“Você está falando na questão de saúde e segurança. O setor elétrico foi privatizado com a essa pretensão de que a iniciativa privada melhoraria, iria investir, enfim. O que está acontecendo? Os transformadores do Rio de Janeiro, transformadores de subsolo que deveriam ser de superfície… não fizeram os investimentos necessários, precarizaram demais a mão de obra, ou seja, terceirização, quarteirização, descaso com a legislação trabalhista. E acabou criando problemas terríveis. De vez em quando cai um disjuntor no setor elétrico e deixa a gente no escuro. Pergunto eu a vocês: no setor aéreo, o que é que cai? Não é disjuntor, cai avião. Até mesmo porque 95% dos acidentes aéreos no mundo, até hoje na história da aviação, ocorrem no processo de pouso ou decolagem e a infraestrutura aeroportuária, seja em equipamento, em pessoal, em condições de pista, em sinalização tem muito a ver com todas as investigações desses acidentes que ocorreram no mundo. Apenas 5% dos acidentes aéreos no mundo ocorrem em vôo de cruzeiro, como o caso da Air France, a não ser nisso todos têm a ver com as condições da infraestrutura aeroportuária”.

Vai mais além.

“Pois é. A questão dessas privatizações é que toda a rede Infraero que é composta por 67 aeroportos, 83 grupamentos de navegação aérea, diversos terminais de carga, tudo isso é garantido sem aporte nenhum do governo, é tudo com recurso próprio, da própria Infraero. E só 12 aeroportos brasileiros são lucrativos. Até mesmo por conta de que a Infraero utiliza o modelo da federação brasileira. Nem todos os estados da federação são superavitários. Estados dessa federação são subsidiados por estados como São Paulo, que deve subsidiar um monte de repasses para outros estados que não tem renda. A Infraero funciona desse jeito. Essa pergunta deve ser feita à presidente Dilma. Ela que tem que dar conta de como ela tira os três grandes, lucrativos, do sistema… e os outros aeroportos, vai entregar o que, a municipalização, a estadualização? Ou o governo vai ter de deslocar recursos da educação, da saúde? Não podem negar… que Teresina, no Piauí, fique sem aeroporto ou com aeroporto precário. Teresina faz parte da federação brasileira, do estado brasileiro e tem de ser subsidiado por alguém.
Mas o argumento é de que com a bolada de dinheiro que vai entrar agora o Brasil enfim terá dinheiro para investir nos aeroportos deficitários…
De forma alguma, de forma alguma. Primeiro que o estado não é banco, não é corretora, não tem de ficar comemorando ágio nenhum, lucro nenhum. Estado, na minha concepção do que é estado, tem de comemorar o resultado de satisfação em bem estar da sociedade que ele representa. Eu acho que é balela dizer que esse dinheiro vai para aeroporto. Ainda não está muito claro nessa negociata toda como é que entram os 80% de dinheiro do BNDES, que é dinheiro do estado, para financiar em condições extremamente paternais esse tipo de negócio que foi feito com aeroportos. Tá feia a coisa, na minha opinião a coisa tá muito feia e cheirando mal”.

Sobre o investimento “privado.

“É o que está acontecendo no setor elétrico. É só vocês investigarem. O investimento dos próprios grupos, dos próprios recursos, esse não tá vindo, não. A hora que acabou o dinheiro do BNDES eles estão abandonando tudo. Eles só lucraram. Dinheiro do próprio bolso, do bolso do empresariado, para investimento, esse não está vindo nem aqui e nem na Argentina. Inclusive é o mesmo empresário que privatizou o aeroporto de Brasília. O principal do consórcio. É só vocês darem um pulinho aqui do lado em Ezeiza, dá uma olhada no investimento que foi feito no aeroporto de Buenos Aires. Não foi feito investimento nenhum, nem vai ser feito”.

E sobre a “ineficiência” de empresas estatais.

“Não encaro como estatal ineficiente, não. Eu acho que é uma estatal que tem quase 40 anos de existência, nunca precisou de um centavo do governo para atingir seus objetivos e mantém um padrão de aeroportos, sendo a sua grande maioria deficitária, não acho ineficiência. Ineficiência existe na Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), como todas as agências que foram criadas, em seus objetivos, não funcionam. Boa parte, talvez a maior parte dos problemas que temos nos aeroportos é de fiscalização e regulamentação e não é o papel da Infraero, que não tem poder de fiscalizar. Eu acho que só vai melhorar a operacionalidade dos aeroportos quando mudar o procedimento operacional e a agência funcionar. Aliás, nenhuma delas funciona. Nem ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), nem ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), nem ANAC, eu não vejo eficiência em agência regulamentadora deste país, nenhuma. A gente passaria muito bem sem essas agências”.

O governo Dilma fez uma grande lambança e os técnicos e sábios sobre a matéria estão apenas colocando creme chantili sobre o desastre, dourando a pílula, deixando de lado compromissos assumidos pelo partido da presidente, pela própria presidente, voltando as costas ao povo brasileiro.

A grande verdade é que sem medo de erro e os técnicos não vão perceber isso, são técnicos com visão estreita, ou ligados ao governo, é que o governo Dilma escancarou seu caráter neoliberal.

Quem não concorda ou não aceita esse tacão, é um tacão que esmaga, vira “ignorante” e não pode opinar sobre o assunto.

Não foi por outra que a mídia de mercado se encantou com o pregão da bolsa de valores de São Paulo, onde os aeroportos foram leiloados.

O presidente do Sindicato Nacional de Aeroportuários é um conhecedor do problema, logo com condições técnicas de opinar sobre o mesmo, mas com consciência política que não aceita e engole tudo o que vem do governo federal pelo simples fato que “especialistas” encontram justificativa para o meia volta volver do governo Dilma.