A Carta

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A carta é um papel que grita,
Palavras de desespero,
Que escorrem pelas bordas
Como sangue novo e quente.

A carta é um espaço limitado
Com uma alma latente.
Nela está contida mil letras
De redondas formas,
Que ora se lançam
Num fio de bailarina
Enfeitando o texto,
Ora caí abandonada pela dor
De quem escreve e mente.
 
Retangular e rosada
É a carta da amante,
Que pede, implora...
Volte!

Quadrada é branca e a carta
Do amado que responde:
Esqueças!

A carta é um punhal
Solene e breve,
Que fere e fere
Tantas vezes
Que se diz
Soletre...

Só estamos bem
Mesmo que breve,
Quando nos consentimos
Rasgá-la
Com as próprias mãos
E o coração leve.
 

Caminhos

Na cidade soturna
Atrás das velhas muralhas,
Eu contemplo a silenciosa tarde,
Sozinha com minha sombra

E com minha pena.

O vento sacode as copas das árvores,
Levantando em redemoinho

O pó da terra.

A lua está subindo devagar
Para que eu a olhe.

Os caminhos se cruzam

E se estreitam,
Buscando os que estão dispersos,
Juntando os que se separaram.

Eu estou aqui
Olhando tudo sozinha!



A Bengala                                      

Toni, braço direito de Dom Corleoni, estava tomando sua cerveja no bar de Billy Caolho quando viu um molecote franzino dar um encontrão em dois capangas de Dom Gaetano.

Os dois chefões eram o terror de Chicago. Dom Corleoni Bellagamba era da Sicília e Dom Gaetano de Lampeduza, era um milanês fanático e sanguinário.

Toni aprumou-se na cadeira, não querendo perder nada daquela espetáculo. O fedelho parecia com esses chineses que saltam e giram ao mesmo tempo, confundindo o adversário incauto. Mas aquilo que ele viu, foi "de cinema". O menino saiu pela tangente, deixando os capangas com cara de cuíca, girando, girando, sem saber exatamente o que os tinha atingido.

Toni só viu que os coitados ficaram sem não sei o que, que levavam. Um deles, de susto, bateu com as duas mãos na cara, assim como fazem os gregos, quando o mar não está pra peixe. Começou a gritar para o comparsa como um louco, porque, com certeza, aquele papel não podia ter saído voando daquele jeito.

Toni, só de butuca na cena, viu quando o magricela entrou num furgãozinho vermelho que já estava a postos, esperando por ele, e saiu chispando, queimando os pneus na maior velocidade.

No mesmo instante Toni dá um pulo da cadeira e se atira num salto fenomenal em seu pequeno automóvel, lançando-se pela estrada atrás do furgão.

Rodaram um bom tempo. Toni sempre disfarçando para que eles não percebessem que os estava seguindo.

Não vou dizer que foi fácil, pois eles eram espertos. Viraram no mesmo lugar umas três vezes, para despistar, naturalmente. Pararam numa casa de madeira toda pintada de lilás, com janelas verdes. Toni reconheceu o lugar imediatamente. Era um puteiro decadente chamado "Borboletas Lilases". Ele deu uma de incerto pelas redondezas, para ver se pescava alguma coisa, mas resolveu voltar à noite.

O que exatamente ele estava querendo com aquela investigação?

Toni tinha faro para achar bons capangas para Dom Corleoni e naquela tarde, vislumbrou a pessoa certa para uma missão que estavam planejando.

À noitinha, despencou no Borboleta. Nem bem chegou, deu de cara com o magricela na porta fumando uma cigarrilha mentolada. Aproximou-se como quem não quer nada, mas levou um susto quando o gajo, de sopetão, lhe perguntou:

-O que é que tá pegando, ó Coisa Feia?

-Pegando? Como assim?

- Não se faça de besta! Você se acha muito esperto, não? E eu não o vi na maior perseguição hoje à tarde! E aquele zóião comprido que vinha lá daquele bar fedorento, hein? Vamos lá meu camarada, desembucha que eu tô ouvindo.

-Meu Deus! Por essa eu não esperava! Você é melhor que a encomenda!

-Encomenda? Como ficou sabendo da encomenda?

-Calma aí! Encomenda é só uma maneira de expressão.

-Ah bom! Acontece que aqueles filhos de uma égua, estavam querendo me passar pra trás, com uma encomenda que era minha por direito, mas acabaram dançando porque comigo não, violão!

E foi assim que Dom Corleoni ficou sabendo por Toni, do magricela, aliás, Baby Fumaça. Baby, porque apesar dos seus trinta anos tinha aparência de vinte. Fumaça, porque sumia como tal. Ele era simplesmente o melhor e mais esperto capanga de Dom Gaetano. Além de esperto era um bocado ambicioso, por isso não foi difícil convencê-lo a aceitar o serviço de entregador, em troca de quatro lingotes de ouro.

Foi o brilho do ouro que fez Baby dar um salto da cadeira, como se tivesse sido espetado por uma agulha. Ele tinha lá seus planinhos infames. Sua personalidade aparecia através dos olhinhos de cobra que olhava o mundo como um caçador.

A entrega famigerada era a seguinte:

Havia um mapa do Banco de Investimento de Chicago, com detalhes de um esquema para assaltá-lo. Era um serviço rápido e limpo, se fosse executado por dois capangas que se encontravam na Penitenciária do Estado. Acontece que aquele lugar era extremamente vigiado e todas as tentativas de fazer chegar "a encomenda" tinham falhado. Tentariam introduzir os papeis através do Baby que, se por acaso caísse nas mãos dos meganhas, pensariam que era tramóia de Dom Gaetano, já que ele realmente fazia parte dos carcamanos.

Dom Corleoni entregou os mapas a Tony com um certo receio. Ele teve que quase arrancar de suas mãos com um puxão, para que os soltasse. Toni encarou o chefão dizendo:

-Não o subestime, chefe. Baby é o melhor para esse serviço!

- Espero não me arrepender, Toni!

E foi assim que Baby Fumaça entrou para o caminho de mão dupla, servindo a dois senhores. Era como esses espiões da "guerra fria": corpo quente, cabeça fria.

No dia de visitas a penitenciária ficava lotada. Toni combinou com Baby de se encontrarem ali na frente e estacionou seu carro. Ficou esperando por ele para acertarem os últimos detalhes. A hora da visita estava se acabando e nada do Billy aparecer.

Um suor gelado começara a se instalar na testa de Toni, sua barriga já dava sinais de um transtorno eminente. Foi quando ele viu um velho decrepto e cegueta vindo em sua direção. Batia uma bengala no chão, fazendo o maior estardalhaço. Estacou bem na sua frente e falou:

-Missão cumprida! Vamos embora.

-Caramba! É você, malandro! E não é que conseguiu mesmo! Como foi que fez?

-Nada que uma bengala oca e envergada não resolva.

Subiram no carro e saíram rindo pela avenida.

FIM