Bandar bin Sultan tomando "chá-de-cadeira"...

Quando o “príncipe saudita preferido” da CIA – que foi como o jornal israelense Há’aretz descreveu, semana passada, o chefe da inteligência da Casa de Saud, príncipe Bandar bin Sultan – aterrissou em Moscou no seu jato particular, na 4ª-feira, e rumou diretamente para Novo-Ogarevo, subúrbio da capital, para um encontro com o presidente Vladimir Putin em sua residência, não se viu o “corre-corre” ao qual esse espião-chefe está habituado e com certeza esperava.

A agência russa de notícias Itar-Tass publicou relato frio, citando o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, que disse que o príncipe saudita e Putin discutiram “ampla gama de questões das relações bilaterais, da situação no Oriente Médio e Norte da África”.

 

Evidentemente, os russos não querem disparar rumores e especulações, num momento em que surge nova criticalidade em torno da situação síria – e a mística que cerca Bandar alimenta-se de rumores. De fato, no mesmo dia em que o jato de Bandar pousava em Moscou, as forças sírias “libertaram” a estratégica cidade de Homs, que a oposição, em discurso delirante fantasioso já chamava de sua “capital revolucionária”.

Com isso, o governo sírio reconquistou o controle sobre todas as províncias centrais do país, atravessadas pelas duas rodovias estratégicas que ligam a capital Damasco, respectivamente, a Aleppo, no norte; e ao porto mediterrâneo de Tartus, onde a Rússia mantém uma base da Marinha desde o tempo dos soviéticos.

Mapa rodoviário da partecentro-norte da Síria 
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Nosso homem em Riad

Bandar é o homem chave da Arábia Saudita para a Síria. Recentemente, no último fim de semana, o rei Abdullah nomeou-o diretor-geral da Agência de Inteligência Saudita, posto que acumulará com o de secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional. A nomeação está sendo vista por praticamente todos os envolvidos como indicação de uma nova fase no movimento saudita por “mudança de regime” na Síria.

Já é, pois, bem claro, que o governo Obama decidiu envolver-se servindo-se da CIA, não do Pentágono, na guerra civil síria. Obama optou por operações da CIA, não por qualquer operação militar direta, depois de alertado pelo comandante dos Chefes do Estado-Maior das Forças dos EUA, Martin Dempsey, de que intervenção militar na Síria mobilizaria “centenas de aviões, navios, submarinos e outros itens”, com custo que se calcula “na ordem de bilhões”.

Os americanos têm Bandar em altíssima conta, como “gente-que-faz” – praticamente como um deles; e, como se lê no Há’aretz, “Bandar é considerado o homem da CIA em Riad”.

Bandar foi embaixador saudita em Washington durante 22 anos sem interrupções e mostrou-se interlocutor inestimavelmente importante para vários presidentes norte-americanos, a ponto de ter recebido total proteção, pelos serviços secretos dos EUA como agente da segurança nacional dos EUA – o que é no mínimo muito estranho, na história da diplomacia universal.

Em termos claros: a nomeação de Bandar para o posto de espião-chefe significa que o rei Abdullah o pôs na cadeira do piloto para dirigir o monstro saudita-norte-americano que tem esperança de avançar pela estrada de Damasco, inobstantes os atuais (e ainda não superados) obstáculos.

Afinal de contas, Bandar fez serviço excepcional no Afeganistão nos anos 1980s e assegurou que os Mujahideen fossem mantidos bem abastecidos por fluxo não interrompido de dinheiro e/ou de armas para fazer sangrar o Exército Soviético Vermelho, enquanto seu cunhado, o príncipe Turkei, então encarregado da inteligência saudita, construía alianças com aquela gente perigosa que, adiante, se metamorfoseou e ressurgiu como al-Qaeda.

Bandar comanda o rebanho de linhas-duras dentro do regime saudita, que nada aceitam, senão a derrubada do presidente sírio Bashar Al-Assad. O que o levou a Moscou, 4ª-feira, foi, obviamente, a Síria.

Semelhança fantasmagórica

De fato, chegou a cogitar de só dar uma passada e deixar o cartão. Bastaria isso, porque uma visita de Bandar implica que os sauditas reconhecem, sim, o importante sucesso da robusta política que Putin construiu para a Síria.

Mas... Fato é que Bandar tem genuína aversão a revoluções (em terras árabes) e considera a Fraternidade Muçulmana uma ameaça existencial equivalente à ascensão do Irã. Ouviu dizer em algum canto que haveria espaço para desenvolver um campo de interesses comuns com Moscou – que tampouco faz segredo do incômodo que lhe causam os Irmãos.

A agenda saudita sempre é criar a maior quantidade possível de desentendimento entre russos e iranianos; nesse caso, a visita ‘'daria a impressão'’ de que Moscou poderia estar tentada a abrir ‘'uma segunda trilha'’ política em relação à Síria. O problema é que, dessa vez, Bandar errou muito grosseiramente no timing da visita.

Os russos evidentemente sabem que Bandar participou recentemente de reuniões de coordenação em Washington e em Tel Aviv, durante as quais todos os presentes dedicaram-se a inventar novos meios para aumentar a pressão militar sobre o exército sírio, fornecendo mais armas aos rebeldes (inclusive a grupos ligados à al-Qaeda no norte da Síria) – e para enfraquecer o Hezbollah, cujos combatentes lutam ao lado do exército sírio.

Impressionante: a política de Obama está mostrando semelhança fantasmagórica com a estratégia que Jimmy Carter e Zbignew Brzezinski cerebraram, depois da intervenção soviética no Afeganistão – sangrar o Exército Vermelho em guerra clandestina mantida pelos milhões dos xeiques dos petrodólares.

Enquanto isso, o foco russo está em pavimentar uma via política que leve as coisas até as eleições presidenciais sírias, previstas para 2014. Mas o problema de EUA-Israel-Sauditas é que, nesse projeto, Assad tem alta probabilidade de vencer as eleições e de vir a governar a Síria com ainda mais legitimidade do que jamais antes, se se considera a situação atual.

Fato acima de qualquer discussão é que, para parte muito substancial do povo sírio, Assad é o último anteparo que ainda resta entre o povo sírio e o dilúvio que se alastra por todo o Oriente Médio muçulmano.

Então, Bandar entra em cena. O forte do príncipe saudita está em manobrar os salafistas como instrumento de política regional, algo que se encaixa perfeitamente nas geoestratégias norte-americanas mais amplas para o chamado “Oriente Médio Expandido” (que inclui o Afeganistão e a Ásia Central).

Oriente Médio Expandido (em vermelho área do CENTCOM)
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O golpe no Egito, apoiado pelos sauditas, reforça o eixo EUA-sauditas na Síria. O governo de transição no Cairo já reverteu à total cooperação com o establishment da segurança israelense da era Mubarak, o que muito agrada a Washington. Mais importante que isso, Riad e Cairo deram uma grande mão para o reinício das congeladas conversações de paz no Oriente Médio, ação que atende muito bem à necessidade dos EUA, que precisam, desesperadamente, aparecer como mediadores benevolentes.

Acima de tudo, a marginalização do Qatar tirou o bode da sala e fez gorar as pretensões da Turquia de aparecer como líder dos povos árabes. E, assim, o eixo EUA-Sauditas tem melhor controle sobre a guerra clandestina na Síria.

“Um tapa na cara”

Com certeza, Bandar desejava aferir os humores em Moscou, num momento em que as relações EUA-Rússia aproximam-se de um impasse – no caso do ex-agente da CIA e vazador de informações secretas, Edward Snowden.

Em poucas palavras: é alta a probabilidade de que o conflito sírio ganhe uma nova dimensão geopolítica, envolvido na rivalidade das grandes potências. O influente senador John McCain disse, na 5ª-feira, que a decisão de Moscou sobre Snowden é “um tapa na cara de todos os norte-americanos”; e disse em declaração oficial:

Agora é a hora de repensarmos fundamentalmente nossa relação com a Rússia de Putin. Temos de lidar com a Rússia que há, não com a Rússia que gostaríamos que fosse. Não podemos permitir que a ação de Putin hoje [de dar asilo a Snowden por um ano] fique sem nenhuma repercussão séria. A ação da Rússia de Putin hoje deve acabar com as ilusões que ainda restem em muitos norte-americanos sobre a Rússia dos últimos poucos anos. Há muito tempo precisamos adotar abordagem mais realista das nossas relações com a Rússia, e espero que comecemos hoje.

Simultaneamente, a mídia russa noticiou a interceptação de uma mensagem dirigida a “jihadistas” do Norte do Cáucaso, para que se unam à guerra santa na Rússia, em vez de avançar para a Síria; e para que “se preparem para os chamados Jogos Olímpicos em Sochi [fevereiro de 2014].” Desde a “jihad afegã”, o Kremlin sabe que Bandar é freguês perigoso.

A agência Itar-Tass fez magnífico trabalho de fotojornalismo: publicou foto (acima, no topo do artigo) de Bandar, corpulento, sentado numa espécie de trono dourado, ao lado de trono maior, vazio; está sozinho, pensativo, presumivelmente numa sala de espera na casa de Putin – tomando um chá-de-cadeira.


1/8/2013, [*] M K BhadrakumarAsia Times Online
A spy who tried to scale Kremlin wall
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Irã, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The HinduAsia Times Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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