Incentivos fiscais e alinhamento das políticas urbana e habitacional, em prol da construção de mais prédios, com moradias de baixo custo, em regiões próximas ao centro de São Paulo. Essa fórmula é, para João Fernando Meyer, o pontapé inicial para a solução do déficit de moradias na capital paulista.

s1 300x198 Mais prédios para menos déficit habitacional – Entrevista com o arquiteto e urbanista João Fernando Meyer
Favela do Morumbi, na capital paulista. Foto: Reprodução/ Internet

A construção de prédios com apartamentos de baixo custo, em regiões com mais infraestrutura e próximas ao centro, é, para o arquiteto e urbanista da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, João Fernando Meyer, o caminho para se solucionar o déficit de moradias na capital paulista, que hoje é de aproximadamente 810 mil residências.
O crescimento desenfreado do município no início do século passado e a supervalorização de terrenos provocaram, segundo ele, um desnível no adensamento populacional dos bairros, que empurra as classes mais baixas cada vez mais para a periferia e gera um impacto enorme no sistema viário da cidade de São Paulo.

Nesta entrevista concedida à Envolverde, Meyer comenta as causas e possíveis soluções para o grave problema do déficit habitacional, que atinge milhões de paulistanos.

Envolverde – Qual o quadro real do déficit habitacional na cidade de São Paulo?

Existem cerca de 400 mil domicílios em favelas, mas esse número não representa todo o déficit. Entra na conta também qualquer moradia com alguma inadequação ou falta de infraestrutura. São moradias que necessitam de recuperação, ou pessoas que pagam um valor excessivo de aluguel por falta de opção. Tem também as famílias conviventes, que é a classificação usada quando em uma mesma moradia vivem vários núcleos familiares, que podem ou não ser da mesma família. O déficit é composto de todas as pessoas que precisam de novas moradias. A estimativa é que vivem em São Paulo, em situação de inadequação, hoje, cerca de 810 mil famílias.

Envolverde - São 810 mil casas que precisam ser construídas?

Não, porque na verdade nem toda moradia inclusa no déficit precisa ser substituída por uma nova. A maior parte dos casos pode ser resolvido com obras no local. Por exemplo, a comunidade de Heliópolis ou a de Paraisópolis. A maioria dos moradores de lá não precisa de uma casa nova. Uma reurbanização das favelas, transformando em bairro, já tiraria essas famílias da condição de inadequação. As unidades que precisariam realmente ser construídas são em torno de 130 mil, incluindo as pessoas que estão em área de risco.

Envolverde - Existe alguma justificativa para a cidade ter atingido esse número tão alto de déficit habitacional?

Em 1860, São Paulo era uma vila com 70 mil habitantes. Quando, mais ou menos em 1870, foi inaugurada a ferrovia, a cidade passou a ser o local que fazia a conexão com o Porto de Santos e de onde saía a ferrovia para todas as regiões do interior. Isto fez explodirem as atividades econômicas em todo o Estado e especialmente na cidade de São Paulo. Foram 11 décadas em que a cidade cresceu mais pela migração do que pelo crescimento vegetativo. A cidade cresceu até a década de 1980 em velocidade sem precedentes no mundo. São Paulo se tornou um grande acampamento, abrigando gente do mundo inteiro. Até 1930 eram principalmente estrangeiros, depois passou a predominar a migração interna, com pessoas vindo principalmente da região Nordeste do país. Todos vinham para cá em busca de melhores condições de vida. A partir da década de 1980 o fluxo diminuiu e o crescimento hoje é mais vegetativo mesmo.
Atualmente ocorre na cidade de São Paulo um fenômeno importante e comum às cidades que têm um processo urbanístico mais avançado, que é a redução do número de pessoas por família. Na década de 1940, as mulheres tinham em média seis filhos. Hoje, essa média caiu para 1,9 filhos. Houve uma enorme diminuição no tamanho das famílias, mas um grande aumento no número de famílias, o que gera o déficit. Então a demanda anual de novas moradias cresce mais em função da diminuição do tamanho da família do que pelo crescimento da população. Em contrapartida, o tamanho dos domicílios também foi reduzido.

Envolverde - As políticas habitacionais estão adequadas a esta mudança na demanda?

Quando o fluxo migratório diminuiu, a partir da década de 1980, teve início um processo de urbanização daquele grande acampamento. O governo começou a implantar infraestrutura, como escolas, postos de saúde e sistema de transporte. Desde então, houve muitos avanços, mas o volume acumulado de problemas é gigantesco. Além disso, invariavelmente, quando existem recursos financeiros, eles são investidos nas regiões onde moram as elites, ao invés de priorizar o saneamento na periferia. As prioridades precisam urgentemente ser invertidas. Além do que, o número de famílias em favelas continua aumentando. Há dez anos, eram 260 mil famílias, hoje são 400 mil e não para de crescer.

Envolverde - O que leva essas famílias para as favelas?

O município de São Paulo precisa construir, só para o crescimento do número de famílias, cerca de 70 mil moradias por ano. A questão é aonde essas moradias serão construídas. É preciso direcionar o fluxo. Nos bairros de classe média ninguém quer que sejam construídos prédios. Isto empurra essas novas moradias para a periferia, o que faz com que seja preciso uma área dez vezes maior do que se fossem ocupados lotes que estão vazios, como em regiões à beira das marginais dos rios Pinheiros e Tietê. As pessoas ao invés de morar a 20 minutos do trabalho, moram a duas horas do trabalho. Isto causa impacto no sistema viário e exige sua ampliação.

Envolverde - O que precisa mudar para estimular a construção de moradias nessas áreas com baixa densidade e mais próximas do centro?

É uma lógica econômica. Se uma incorporadora compra um terreno, a lei permite que ela construa até quatro vezes a área existente. Então, se a empresa construir um prédio com apartamento de quatro dormitórios, no padrão luxo, ela vai poder vender a R$ 10 mil o metro quadrado. Se for construída uma unidade de dois dormitórios, com uma média de 50 metros quadrados, só vai conseguir vender a R$ 7 mil o metro quadrado.  Isto quer dizer que, diminuindo o tamanho da unidade, cai também o lucro. A empresa é obrigada a seguir a lógica de mercado. O que está errado é o zoneamento da cidade, que deveria dar regras e taxas diferentes para empreendimentos diferentes. Quando há o tratamento igual, a lógica é perversa. É o planejamento urbano que tem que definir isso. As áreas disponíveis estão sendo ocupadas com imóveis vazios. Ou seja, grandes apartamentos com famílias muito pequenas.

Envolverde - Então, seguindo essa lógica, as famílias menores estão ocupando as maiores áreas?
Sim e é preciso reverter esse quadro. Além disso, existe também o papel da classe média nisso tudo. A pessoa que cresceu em Pinheiros, quando se casa e quer comprar um apartamento, hoje já não consegue mais comprar no bairro em que nasceu, porque ficou muito caro. Aí ela vai morar em Perdizes, por exemplo. O morador de Pinheiros quando vai para Perdizes, valoriza o bairro. A consequência é que acontece a mesma coisa com o morador de Perdizes. Na hora em que ele vai comprar o apartamento dele, não consegue comprar lá e vai morar em bairros mais baratos. É uma reação em cadeia. A classe média vai avançando em direção à periferia e empurrando as classes de renda mais baixa cada vez mais para a extrema periferia. As políticas habitacional e urbana têm que contemplar todas as classes.

Envolverde - Que tipo de incentivo por parte do governo poderia ajudar a reverter esse quadro?

O elevador é um exemplo importante. O uso do elevador permite a construção de prédios mais altos, o que possibilita a divisão do custo do terreno entre mais moradores. Assim você consegue trazer esse prédio para lugares mais próximos e com mais infraestrutura. O elevador baixa o custo da obra. Porém, depois de pronto, tem o custo da manutenção, que é alto. Então, é preciso existir um programa de padronização dos elevadores. Isso foi feito na China. Eles precisavam verticalizar as moradias para resolver o déficit habitacional. Pensando nisso, o governo fez uma grande concorrência para o fornecimento de elevadores padronizados para todo o programa habitacional do país. Isto fez com que fossem obtidos preços excelentes, incluindo a manutenção. Outra opção é o governo dar de graça o elevador para os conjuntos habitacionais, já com um contrato de cinco anos de manutenção, para quem fizer o prédio no centro expandido. Isto impactaria violentamente a lógica. As pessoas precisam perder a mania de não querer prédio. O prédio não gera população e nem carro. Isto já existe, a gente só precisa saber onde colocar. (Envolverde)
(IPS)

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