Num post do sábado  19/11, Celso Lungaretti publicou um artigo que, além da habitual  qualidade, tem o mérito da originalidade: é uma referência ao refúgio que  recebeu no Brasil o megacriminoso nazista Wagner, sem que nenhum dos que hoje  são críticosdo ministro Tarso Genro, tivesse nunca esboçado alguma  forma de repúdio (vide). 
 
O assunto é importante porque quase ninguém  se referiu ao caso Wagner durante as esquentadas e desonestas diatribes sobre o  caso Battisti, como fez notar Celso em sua excelente matéria. 
 Aliás, digo “quase  ninguém” porque houve alguém que fez a comparação, mas num sentido que  beneficiava ao célebre carniceiro de Sobibor. Veja mais adiante neste artigo.   Quero agregar algumas observações à matéria de Lungaretti, porque, por um  lado, a lembrança de Wagner esteve entre minhas primeiras motivações (embora  não fosse a principal) para escrever o livro sobre o caso Battisti que, neste  momento, se encontra sob a análise do editor. Por outro lado, acredito que a  identidade de quem comparou Wagner com Battisti servirá para dissipar velhas  falácias sobre o suposto caráter humanitário de místicos fanáticos.
Paraísos de Nazistas
O austríaco Gustav  Franz Wagner, sargento das SS, nasceu em 1911 e, como disse o artigo citado,  foi escalado para comandante (primeiro vicecomandante) do campo de Sobibor, na  Polônia, no qual ganhou (numa época em que não se falava como hoje dos direitos  dos animais) o apelido de lobo (alemão Wulf; yidish, Welfel)  por causa de sua desenfreada sede de sangue, embora, como é bem sabido, os  lobos só matam para não morrer de fome. Durante os julgamentos de Nuremberg foi condenado a morte em ausência, acusado pelo assassinato direto ou  indireto de mais de 200 mil judeus. 
 O sargento Wagner  teria fugido ao Brasil contando (segundo o famoso jornalista pesquisador sobre  os nazistas foragidos Ernst Klee) com o auxílio do Vaticano, que  lhe teria fornecido documentos falsos, dinheiro e contatos. (Vide). 
 Como faz notar  Lungaretti, vários autores escreveram sólidos documentos sobre o papel que teve  o Brasil como paraíso para a proteção de criminosos nazistas de alto impacto.  Em seu artigo se citam as principais fontes. Os altos e médios quadros tanto do  Terceiro Império, como das SS e da Gestapo, formaram, no fim da guerra, uma  organização chamada ODESSA para facilitar a proteção recíproca e a fuga aos  paraísos latinoamericanos. (ODESSA não é um invento literário do escritor  Frederick Forsyth, embora os dados quantitativos fornecidos pelo romancista não  tenham total robustez estatística.) 
 O Brasil, o Paraguai  e a Bolívia foram destinos habituais para os nazistas, mas a Argentina recebeu  um número muito maior que todos eles somados. O caso da Argentina é  interessante para analisar a ajuda constante que a Igreja  brindou aos membros da Odessa, pois, justamente por causa de seu número maior,  a comunidade nazista no vizinho país austral motivou investigações muito mais  apuradas. Em 2002, o escritor argentino Uki Goñi publicou um livro traduzido  logo em seguida ao português com o título de A Verdadeira Odessa.  Considerado por todos os especialistas como a máxima referência no tema, o  livro descreve as fontes originais que mostram a colaboração do Vaticano com o  nazismo em todos os aspectos. 
 Não vamos a discutir  aqui (até porque é irrelevante a nosso assunto e não temos competência para  fazê-lo) o mito profusamente difundido a partir de 1945, de que os católicos se  teriam oposto oficialmente ao nazismo. (Ninguém duvida que houve resistência  católica contra o Reich, quando este atacou a população fortemente católica da  Polônia, mas isto não tem nada de especial. Quase todos os que são atacados se  defendem quando podem, mesmo quando são atacados por agentes que militam em  ideologias fraternas.) 
 Mas, quero citar  apenas alguns trechos de uma celebridade eclesial, seguindo a comparação entre  o caso Battisti e o caso Wagner. Em particular, as hierarquias católicas ainda  hoje justificam o refúgio de Wagner, embora ninguém tenha disposição para  elogiar o terrível algoz. Mas, com o mesmo entusiasmo, elas se opuseram ao  refúgio a Cesare Battisti, apesar do apoio dado por alguns católicos  independentes, algumas pastorais e católicos líderes em direitos humanos (como  a destacada professora Margarida Genevois) à proteção do escritor italiano. 
 O fato não é difícil  de explicar. Ser católico, como ser judeu ou islâmico pode ser não só uma  religião, mas, sobretudo, uma identidade cultural. É óbvio que existem  defensores dos direitos humanos de quase toda identidade cultural. Isso não  significa que as instituições confessionais sejam defensoras desses direitos,  nem, muito menos, que suas doutrinas possam servir como ferramenta da libertação,  como ingenuamente se pensava nos anos 60.
Deixai Vir a Mim os Genocidas...
Em 20 de janeiro de  2009, o boletim da CNBB publicou em sua versão virtual um libelo contra  Cesare Battisti, assinado por Dom Benedicto de Ulhôa Vieira, bispo  altamente influente na Igreja Católica Romana do Brasil. Reproduzo o texto  omitindo apenas detalhes desnecessários, porém sem qualquer acréscimo. Os  grifos são meus. (Vide) 
 “Não é  a primeira vez que o Brasil concede asilo a pessoas condenadas no seu próprio  país. [...] Gustav Wagner que, carrasco e carcereiro na perseguição aos judeus,  chegava [...] a arrancar “rianças do colo das mães e espatifava a cabeça delas  num poste. Até a este o Brasil acolheu!” 
 Ao afirmar isto, não  parece existir nenhum indício de que o religioso esteja reprovando Wagner. A  expressão “até a este...” parece significar que, com efeito, Wagner era  um caso muito grave, mas não que fosse injusto o refúgio. O que mais facilmente  pode interpretar-se é que a benevolência do Brasil é muito grande, e aceitou  refugiar até alguém que cometeu muitos crimes. 
 Logo, Ulhôa se  refere ao caso Battisti, mas, desta vez, sua opinião sobre o caso é  absolutamente explícita. 
 “Agora  nossas autoridades concedem a graça do acolhimento político a um condenado à  prisão perpétua pela justiça italiana, por quatro homicídios. Isto  espanta.” 
 “[...]  A benignidade do Governo brasileiro assombrou (é esta a palavra) ao Presidente  italiano Giorgio Napolitano, que, em carta ao Governo Brasileiro demonstra sua  amargura e sua decepção. E dá o motivo desta amargura: ter o Brasil concedido  “status de refugiado político” a um condenado pela Justiça italiana à prisão  perpétua por quatro homicídios “com finalidades terroristas”.” 
 “Sob o  ponto de vista cristão, os maiores crimes que se possa cometer, como os  de Battisti, são perdoados pela bondade paterna de Deus quando há  verdadeiro e profundo arrependimento com o desejo firme e sincero de emenda.  Não temos como avaliar se o assassino em questão é realmente um convertido.  Oxalá...” 
 “Sob o  ponto de vista da Justiça humana, que o condenou, a pena recebida e não  cumprida parece justificar tanto a amargura do Presidente da Itália, como o  espanto de qualquer brasileiro diante da benignidade por parte das autoridades  do Brasil.” 
 O  libelo mostra vários aspectos importantes: 
 1.      Sua Eminência se  refere a Wagner como um caso extremo, com a frase “Até a este o Brasil  acolheu!”, mas não diz nem sugere que a atitude do Brasil  tenha sido errada. Parece, antes, entender isto como parte da bondade do  país (a maior nação católica do mundo), apesar do “tamanho” dos pecados de  Wagner. 
 2.      Inversamente, o  monsenhor se espanta pelo fato de que Battisti tenha obtido  refúgio. 
 3.      Ainda, se solidariza  com um presidente ex-comunista, um fato (para dizer o mínimo) contraditório com  a pregação que a Igreja fez desde 1917 contra o comunismo, seus filiados e  simpatizantes. 
 4.      Qualifica os crimes  atribuídos a Battisti, como os maiores que se possam cometer. Se estes  são os maiores, então, quaisquer outros crimes são menores,  como poderia demonstrar ao douto teólogo um garoto de 6 anos. Então, os crimes  de Wagner são, para o santo soldado de Deus, menos graves que os de  Battisti. 
 5.      Deus, disse o bispo,  perdoa os piores crimes quando existe arrependimento, mas o prelado não sabe se  Battisti está arrependido. 
 Curioso! De Gustav Wagner,  pelo contrário, se sabe muito bem qual era seu estado de consciência. Em 18 de  junho de 1979, ele disse a BBC, quando lhe foi perguntado, por meio de um  tradutor, se sentia remorso: Eu não tive sentimentos [de remorso] por  aquilo... (Ich hatte keine Gefühle dabei). Pelo jeito, Wagner  conseguiu ser perdoado pela bondade paterna de Deus, mesmo sem arrependimento. 
 6.      Finalmente: o bispo  que descreve a benevolência brasileira como uma amostra de tolerância “até com  esse Wagner”, disse que no caso de Battisti se justifica a indignação dos  brasileiros e a amargura do “comunista” presidente da Itália.
Explicação simples:  Wagner era fervente católico, como mais do 70% dos nazistas, a Battisti é  reclamado nada pelos que pelo berço do catolicismo. 
 Mais esperto que  Ulhôa (ou, talvez, menos poderoso e, portanto, mais preocupado por sua imagem),  um dos diretores de Cáritas, o padre Ubaldo Steri não faz a  comparação entre Wagner e Battisti. Numa entrevista concedida por um jornalista  da revista Veja, Steri, cauteloso, diz que ele, como membro do CONARE  (Conselho Nacional para os Refugiados), negou o refúgio a Battisti porque não  havia nenhum motivo para isso. Com dissimulo suave e elegante acrescentou que:  “se Battisti é inocente, ele poderá provar sua inocência na Itália num novo  julgamento”. É bem sabido, mesmo sem ser um membro poderoso dentro do CONARE,  que não há novo julgamento para um caso encerrado. 
 Mesmo sendo membro de  Anistia Internacional, o fato de não pertencer a suas hierarquias, me dá certa  liberdade para fazer um comentário crítico. Nossa organização achou, talvez por  excesso de boa fé, que a Igreja poderia ser uma boa parceira na defesa dos DH,  e a tratou como tal até anos recentes. Atualmente, a ingênua relação se  quebrou, porque a Igreja tentou criar uma Anistia Internacional paralela, com o  mesmo nome e o mesmo logotipo, na esperança de esvaziar a verdadeira. Mas, o  truque não deu certo: a justiça mandou dissolver esta falsa organização por  fraude. Por sua vez, nossos dirigentes parecem mais alertas sobre o que pode  esperar-se dos que fundaram a Inquisição.
Veja meus Blogs:
aluzprotegida.blogspot.com
ocasodecesarebattisti.blogspot.com

 
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  




























