Lisboa, 
05/11/2007 – A maioria dos sistemas de previdência social no mundo, apesar de 
debilitados primeiro pelas privatizações e agora ameaçados pela movimentação dos 
capitais especulativos, podem, entretanto, contribuir para o sucesso da primeira 
meta do milênio, que é reduzir a indigência e a fome. Para atingir este 
principal Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, como são chamadas as oito 
grandes metas aprovadas em 2000 pela Organização das Nações Unidas, é necessária 
a aplicação de sistemas básicos de segurança social nos países de baixa renda, 
segundo a Organização Internacional do Trabalho, que debateu o tema na semana 
passada em seu fórum sobre trabalho decente para uma globalização 
justa.
A OIT afirma que na era da globalização se torna mais urgente a 
necessidade de contar com sistemas sólidos de previdência social, que reduzam 
eficazmente a pobreza e a desigualdade e, ao mesmo tempo, fomentem o crescimento 
econômico. O ministro do Trabalho da Argentina, Carlos Tomada, que presidiu o 
debate sobre o assunto no Fórum da OIT, alertou que a saída para este problema 
se relaciona com a definição da sociedade que se pretende desenvolver e, 
portanto, dos recursos destinados à previdência social.
Os gastos sociais 
oscilam entre 25% e 30% do produto interno bruto no mundo industrializado e se 
situam entre 5% e 15% em muitos países em desenvolvimento, segundo os dados da 
OIT. Entretanto, a mesma fonte diz que 80% dos trabalhadores do mundo não têm 
previdência social ou dispõem dela de forma muito limitada. Mesmo em países com 
sistemas estabelecidos há muito tempo, muitos trabalhadores carecem de uma 
cobertura total em relação à saúde, velhice e contingências como desemprego e 
doenças.
Roberto Bissio, da rede internacional Social Watch (Controle 
Social) com escritórios centrais em Montevidéu, disse que o Banco Mundial 
concedeu 200 empréstimos a 68 países desde 1984 para reformar seus sistemas de 
previdência social. Em todo caso, o Banco Mundial aplicou a mesma formula, que 
consiste em passar dos chamados sistemas solidários aos de contas individuais 
privadas, explicou Bissio à IPS. Porém, um informe elaborado em 2006 pelo 
escritório de avaliação dessa entidade multilateral indica que a mesma fórmula 
se aplica em todos os casos, sem levar em conta a variedade de circunstâncias 
dos diferentes Estados.
Por esse motivo, chega-se a criar sistemas de 
capitalização individual em países onde não há setores financeiros capazes de 
manejar esses fundos, o que, segundo o escritório de avaliação, abre caminho à 
corrupção. Bissio afirmou que na realidade o grande beneficiário deste esquema é 
o setor financeiro internacional, que recebe grande parte desses fundos, muitas 
vezes em investimentos de alto risco, como os famosos fundos especulativos. 
Esses fundos, que nos últimos meses ocupam as manchetes por suas vinculações com 
os torvelinhos financeiros das hipotecas não pagas dos Estados Unidos e por 
outros desajustes do mercado, são em grande parte alimentados pelo dinheiro dos 
trabalhadores, afirmou Bissio.
Os investimentos em previdência social 
deveriam ser colocados em fundos de longo prazo, acrescentou o ativista. Ao 
orientá-los para especulações de risco se coloca sobre os Estados a obrigação de 
assumir a carga social dos trabalhadores que vão perder seu dinheiro por tê-lo 
investido nesses fundos, previu Bissio. Quando houver a quebra desses sistemas 
financeiros, o Estado terá de assumir o encargo, do contrário haverá crises 
sociais e políticas de conseqüências, ressaltou.
Com esse mecanismo, o 
emprego do dinheiro dos trabalhadores vai diretamente contra seus interesses por 
causa do funcionamento especulativo da economia, por meio de estratégias de 
aberturas dos mercados de capitais e de evasão de impostos organizada através de 
uma rede mundial de paraísos fiscais, disse Bissio. Por esse motivo – prosseguiu 
– as estruturas impositivas de redistribuição, que são complemento da 
previdência social, se tornam impossíveis de aplicar, pois o dinheiro vai parar 
nesses paraísos através de uma evasão maciça. A única carga que termina cobrando 
é o imposto sobre valor agregado (IVA) incidente sobre o consumo, que é 
totalmente regressivo e acentua a disparidade social, afirmou o 
ativista.
O especialista Aldo Caliari, diretor da organização Repensar 
Bretton Woods, um projeto da ONG Center of Concern, de Washington, disse à IPS 
que os governos já estão colocando dinheiro das pensões dos trabalhadores nos 
fundos especulativos. Estima-se que nos Estados Unidos 30% dos fundos em mãos do 
Estado foram investidos nos "hedge funds" (fundos de investimento alternativo). 
O ponto de partida desse mecanismo é um pequeno capital com o qual o gerente do 
fundo obtém a título de empréstimo uma quantia várias vezes superior que, de 
imediato, coloca em investimentos muito novos e de alto risco, mas dos quais 
espera obter uma elevado rendimento que lhe permita cobrir os compromissos 
contraídos e salvar uma substanciosa quantia a seu favor.
Inicialmente, 
era um pedaço de caça exclusivo de investidores poderosos e experientes, 
conhecedores dos segredos e das possibilidades do mercado. Mas o próprio 
funcionamento do sistema requer mais capitais que toma de novos apostadores, 
nestes casos menos avisados e com quantias mais reduzidas. Nessa nova categoria 
de especulação aparecem o 
Estado e também trabalhadores individualmente, com 
a urgente necessidade de encontrar um rendimento para seu período de 
aposentadoria, disse Caliari.
Mas, os investimentos nos "hedge funds" são 
de altíssimo risco e se desenvolvem sem nenhuma regulamentação que os controle, 
explicou o especialista. Nos Estados Unidos, houve algumas tentativas para 
estabelecer um contexto regulador para esses fundos, mas fracassaram porque a 
grande maioria está radicada nos paraísos fiscais, fora do alcance legal. O 
governo da Alemanha tentou promover regulamentações internacionais, mas Estados 
Unidos e Grã-Bretanha se opuseram, disse Caliari. Por sua vez, Washington falou 
do estabelecimento de um código de conduta para esse mecanismo, mas seriam os 
mesmos gerentes dos "hedge funds" que redigiriam esses compromissos 
voluntários.
A Confederação Sindical Internacional (CSI) observou que o 
auge dos fundos de capital privado e dos fundos especulativos cresceram por uma 
abundancia mundial de dinheiro barato, investidores ávidos e bens subavaliados. 
Essas duas variedades constituem atualmente uma indústria de risco que opera em 
uma economia frágil, segundo a CSI. Os crescentes níveis de endividamento com 
que esses fundos se movem representam as principais ameaças à estabilidade 
financeira, acrescentou. (IPS/Envolverde)

  




























